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We did it, Joe!


Rita Sousa Uva

É frase que nos fica a badalar no tímpano. Como em tantas outras ocasiões, os nossos amigos americanos oferecem ao mundo mais um espectáculo inigualável de suspense, intriga, luta pelo poder e frases publicitárias excepcionais. É difícil conceber uma frase mais simples e mais eficaz do que esta exclamação de regozijo, dita por uma mulher bonita, bem-disposta, de sorriso agradável, que enverga roupas de jogging cuidadosamente selecionadas para o efeito e que enquanto faz uma pausa da corrida recebe um telefonema. Estava lá uma câmara ao perto e até por acaso um operador que filmou no momento certo o registo da vitória justa. Ainda não estavam contados os votos todos, o Presidente em funções rosnava no twitter ameaças judiciais e afins, as pessoas dançavam na rua envergando cartazes “It´s over”. Deste lado do écran, o mundo assiste, de olhos bem abertos, a um show divertido, curioso, incrível, enquanto recorda, comendo pipocas ou gomas, outras frases igualmente expressivas, como “America First”, “Lock her up!”, “Yes, we can” ou um dos mais jocosos, o já saudoso “Read my lips: I did not sleep with that woman.”


Isto é marketing? É. Estamos perante campanhas de publicidade de dimensão gigantesca, com vista a atingir os corações e as vontades de 382.2 milhões de habitantes e potenciais votantes? Estamos. E não é isso que todos os regimes políticos do mundo fazem? É.


Qual é a diferença então? É o dinheiro. A América movimenta muito dinheiro, o dinheiro é a causa e a essência da colectividade. Money, makes the world go round, cantava a Minnelli, nos tempos áureos de pernas longas e cabelo preto atrevido. In God we trust, dizem os dólares e o nosso Deus é o Dinheiro. E quem não gosta de dinheiro?


Depois, a cor. Atentem nas televisões por cabo, despejando previsões e resultados de minuto a minuto: tudo tem muita cor, animação, fotografias, gráficos, frases curtas, palavras soltas no lado, por baixo e por cima do écran, fazendo as vezes de explicação.



No centro, vês um mapa dos E.U.A. dinâmico e colorido a azul e vermelho que vai mudando as porções de vermelho e de azul à medida que os votos vão sendo contados e publicitados. Os números até se podem desdizer de minuto a minuto, mas o ritmo é tão veloz que mesmo que queiras apanhar a contradição, te esqueces, o comboio já foi, não interessa se disseram 1 ou 10, porque logo de seguida dizem 290 ou 351 e ficas tão informado como se tivessem dito 711 ou 21. O que interessa? We did it, Joe! Está feito, está ganho, o Trump já foi. Sucedem-se cartoons e cumprimentos de felicidades de grande parte do mundo, alguns dirigentes mais lestos que o operador de câmara não perderam tempo nas felicitações nem esperaram pelo resultado oficial.

É que no mundo contemporâneo, oficial é o que cada um acha, em cada momento. O Trump, por exemplo, oficialmente não aceita os resultados das eleições que o ponham a perder, só aceita se o revelarem vencedor. Oficial para os apoiantes do Trump é que as eleições foram uma fraude. Já para os latinos e emigrantes que votaram em Trump porque Trump os “protege”, o oficial é que Trump é um génio que lhes deu empregos e dinheiro e compreende-lhes a raiva. É o sentimento que mais sobressalta neste alucinado Verão de São Martinho: a raiva. Raiva do Norte contra o Sul, raiva dos Ricos contra os Pobres, raiva do Outro, do que tem mais, do que tem menos, do que é preto, branco, indiano, do que é burro, do que é esperto e do que é assim-assim. No meio desta raiva, há esperança. É isso que Biden representa.


O entretenimento permanente parece ser a forma americana de expressar esta oposição de valores e de perspectivas, este duelo excitante e revolucionário entre a raiva e a esperança. Esta agitação borbulhenta, vivida por locutores com vozes de rádio bem colocadas e afinadas que soltam os mais variados impropérios, juízos, vereditos e opiniões, mostram-nos uma sociedade viva e livre, em todo o seu esplendor contraditório.

Experimenta mudar para a BBC, ZDF, Euronews, TV5, RTP, etc. Repara como o ritmo abranda: os locutores falam mais devagar, mostram-nos ruas vazias por causa do Corona. Os repórteres têm uma postura comedida, falam mais baixinho, evitam superlativos. As roupas são de tom bege ou cinzento e salvo excepções sulistas, o tempo é uma morrinha. Tudo é mais sóbrio, contido, menos apaixonado e porque não dizê-lo? - mais aborrecido, soporífero, com menos garra. O tom é mais cínico, e por absurdo, deixa por vezes trespassar um ligeiríssimo tom de superioridade, uma reza antiga de que nós aqui na Europa, somos mais sofisticados. Ah, sim?


Não. Há algo de vibrante na sociedade norte-americana, não obstante as armas, a violência verbal e física, a agitação constante, os enredos à Dallas. Falamos de um país que elege personalidades tão diversas como Clinton, Bush, Obama, Trump e agora Biden num curto espaço de tempo. We did it, Joe! é o Grito do Ipiranga que nos recorda, em alto e bom som, a vitalidade livre que continua a encantar este lado do Atlântico.


God Bless America. Cá estamos para a acompanhar.




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