Comecei a minha carreira profissional como consultor de gestão, tendo-me especializado, ao longo de quatro anos, na análise de fluxos e processos de trabalho do sector público português. Foram vários os projectos em que participei que tiveram por objectivo repensá-los, de forma a poder ser dada uma resposta mais eficiente, embora igualmente ou mais eficaz, aos cidadãos utilizadores dos serviços, fossem eles internos ou externos ao serviço público em questão.
Muita da revisão de fluxos e processos de trabalho no sector público português foi propulsionada pela adopção de ferramentas tecnológicas, o que me levou a trabalhar muito proximamente com colegas especializados nas mesmas, sendo a minha principal responsabilidade conseguir estabelecer o diálogo e garantir a comunicação entre os requisitos operacionais (ou de negócio, para simplificar) e técnicos: como garantir o processo e fluxo de trabalho pensado face àquilo que o sistema informático disponibiliza? A verdade é que as ferramentas e sistemas informáticos são muito mais limitados e estanques na implementação prática, do que a maioria das pessoas concebe. Portanto, quase sempre, o desafio passa por ser-se capaz de decompor os fluxos e processos em partes e linguagem que seja bem entendida pelos informáticos e, com eles, perceber como os implementar face às possibilidades, mais ou menos limitadas, que a aplicação informática oferece.
Espero não ter perdido o leitor com esta partilha inicial. A verdade é que não consigo deixar de pensar nisto e na memória de projectos que integrei no passado desde que a aplicação de agendamento de actos consulares online foi lançada, especialmente com carácter obrigatório da sua utilização para a maioria deles. A evolução é mais do que bem-vinda e incontornável, e estou certo que vai permitir um melhor atendimento consular no futuro, seja por poder vir a melhorar a gestão do tempo, desejavelmente reduzindo tempos de espera, seja por libertar recursos para tarefas de maior valor acrescentado para os cidadãos: será bom não ter funcionários recorrentemente ocupados com marcações e atendimentos via telefone dedicados à resolução de outros problemas. A verdade é que este desenvolvimento, sendo muito bem-vindo, foi mal desenhado e implementado e, seguidamente, mal comunicado.
Uma aplicação informática deve estar centrada no utilizador e, neste caso particular, no utilizador final, o cidadão que necessita dum acto consular. Claramente, a aplicação desenvolvida não parece ter tido essa preocupação: sendo tecnicamente funcional, é um desastre na intuição de uso e na eficácia para o utilizador, acusando a falta de consideração ao processo na óptica do mesmo e a falta de testes antes do lançamento para o público em geral. Por exemplo, não é concebível que a marcação de actos consulares adjacentes seja uma tortura, se não mesmo uma impossibilidade: obrigar-se-á os cidadãos a deslocar-se vezes sem fim aos consulados para conseguirem tratar dos vários assuntos que pretenderem? Admite-se que a aplicação desta natureza possa estar com erros durante períodos superiores a 24h, especialmente erros tão rudimentares como a integração com o sistema de captcha e que impossibilitam concluir uma marcação? Quem é que lembraria de montar o processo de marcação dum acto consular adicional através de navegação retrógrada num mesmo ecrã e exigindo a alteração de campos preenchidos para o primeiro agendamento pretendido? A utilização desta aplicação deixa o utilizador com dúvidas constantes sobre a navegação e sucesso na conclusão do processo.
O lançamento de uma mudança estrutural como este requereria também uma comunicação transversal e estruturada. Sabendo-se do que esta mudança representaria, porque é que não de disponibilização uma hotline centralizada num serviço do Ministério dos Negócios Estrangeiros, nem que fosse limitada no tempo? Porque é que não se pensou sequer na disponibilização de manuais de utilizador à entrada da aplicação, deixando essa informação a cargo das embaixadas?
Num registo final positivo, há que deixar uma nota de sincero louvor à Embaixada de Portugal na Alemanha que, em comparação com as suas congéneres, realizou um trabalho ímpar de disponibilização no seu website informação extensa, cuidada e bilingue sobre da utilização da aplicação de agendamento online, centrada no cidadão que a ela recorre. Um verdadeiro serviço público que, conciliado com experiências recolhida junto de utilizadores, nos permite, nesta edição, disponibilizar um guia prático sobre a utilização da aplicação, que esperemos que possa facilitar a experiência de todos.
Tiago Pinto Pais
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