Na altura em que a tecnologia assiste a progressos como nunca antes vistos, com a criatividade a dar lugar a desenvolvimentos estonteantes, confrontamo-nos, de tempos a tempos, na experiência quotidiana, com situações que só podem gerar a mais pura estupefacção, por revelarem a incapacidade de usar as ferramentas disponíveis para lançar sistemas funcionais e eficazes. Não bastava deparar-me com o desligamento da realidade, já comentado nesta coluna, no que respeita ao sistema de agendamento de serviços consulares, havia agora que o descobrir na solução de agendamento de vacinação contra a Covid-19 em Berlim. Parece, pois, estarmos perante um fenómeno de incompetência transfronteiriço, em economias tidas como desenvolvidas!
A start-up francesa Doctolib teve uma ideia de negócio feliz: libertar as clínicas do trabalho administrativo de gerir marcações, dando-lhes acesso, a troco de um preço, a uma plataforma online que permite a interacção directa com o utente. Esta empresa chegou não há muito tempo a Berlim, onde se tem vindo a implementar com sucesso. Numa excelente decisão do ponto de vista da sua gestão na Alemanha, numa perspectiva de responsabilidade corporativa, colocou a sua plataforma à disposição da administração do estado federado de Berlim a preço de custo. Numa primeira leitura, parece uma atitude, no mínimo, simpática. A questão que surge, para quem veja o resultado, é como é que é possível cometer tantos erros de algibeira na configuração de uma ferramenta que vai ser usada por centenas de milhares, senão milhões, de utilizadores. A responsabilidade não morre solteira com a empresa, muitos dos erros serão resultado da gestão casuística sobejamente conhecida do estado berlinense.
A que me refiro? Ponto primeiro, em 48 horas não se conseguir garantir a alteração de uma caixa de preenchimento obrigatório com um código para uma caixa de escolha múltipla. Esta necessidade é resultado de uma mudança nas exigências entre o agendamento de vacinação para os grupos prioritários 1 e 2 e o grupo prioritária 3. É um desenvolvimento básico. Falhou – provavelmente, em parte, resultado da decisão de avançar para o grupo 3 no final de uma Sexta-feira, quando na Quinta-feira se dizia ainda não se saber quando isso poderia vir a acontecer…
Em segundo lugar, a administração berlinense não ter conseguido conciliar a informação dos fornecedores de vacinas nos diferentes centros de vacinação com a o seu site de informação. Como tal, no agendamento, havia agendamentos para fornecedores de vacinas que supostamente não estariam disponíveis nesses centros…
Da parte do diálogo entre as autoridades públicas e a empresa privada, falharam, igualmente, coisas inconcebíveis: foi colocado online um sistema que permite a marcação de mais do que um agendamento por utilizador… Numa altura em que a ânsia pela vacinação cresce, num fenómeno de quanto mais perto, mais longe parecer estar, é um atentado à boa vontade de todos.
Por último, nunca vi sistema que não bloqueie um agendamento por um período mínimo que garanta que o utilizador possa concluir o processo. Ou seja, nesta plataforma, podem estar várias pessoas a marcar o mais agendamento simultaneamente, esgotando-se este no momento em um ou mais esgotam as vagas disponíveis, obrigando os outros a voltar à estaca zero. Neste caso, parece ainda mais inaceitável e só vem contribuir para esgotar mais a paciência dos cidadãos.
De um ponto de visto de desenho funcional, também parece inconcebível a primeira vista de ecrã só contemplar os primeiros horários do dia. Com a pressão dos agendamentos que se somem a meio do processo, este é um erro crasso, porque não torna intuitivo para as pessoas perceberem, de imediato, que há mais horários do dia disponíveis.
São pequenas meras observações, em jeito de desabafo, mas que deverão contribuir para o reforçar de uma mensagem muito importante: é importante testar este tipo de plataforma e garantir que elas são desenvolvidas na óptica do utilizador. E, assim, antes de falarmos nas inúmeras proibições com que os Verdes nos prometem contemplar, mais valia, como incansavelmente repito, resolver a inaptidão digital do país em que vivemos, na esperança de um futuro que não seja um desencanto e destruição de bem-estar contínuo.
Tiago Pinto Pais
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