Gonçalo Galvão Gomes
Cabeça de lista ao círculo Europa
nas eleições legislativas de 2015 e 2019
Nunca pensei que aqui viesse escrever sobre futebol. Não sou fã, não acompanho e tenho pouco interesse no tema. Não fico entusiasmado com as associações (constantes, repetitivas e irritantes), entre Portugal e os seus jogadores de futebol, acho que é uma atividade sobrevalorizada, demasiado emocional e obscenamente remunerada.
Tenho, no entanto, andado com o futebol na cabeça e a razão é a que passo a explicar.
O Rúben Amorim, um jovem treinador de 36 anos e que se encontra neste momento ao serviço do Sporting Clube de Portugal, está a ser acusado, juntamente com o seu clube, do crime de fraude. Em causa, está o facto do técnico, não ter o curso de treinador com o nível necessário para orientar a equipa principal de um clube da primeira divisão. A acusação está a ser feita pela Associação Nacional de Treinadores de Futebol (ANTF) e pode resultar na sua suspensão profissional, portanto, Rúben Amorim, poderá vir a ser impossibilitado de exercer a sua profissão, por um período entre um e seis anos.
Para os que me acompanham na arte de não ligar nenhuma ao tópico, segue mais um pouco de contexto. O Sporting é neste momento, o líder isolado, e conta, à data em que escrevo este texto, com mais nove pontos do que o segundo classificado, o Braga, mais dez do que o Porto que está em terceiro e mais treze do que o Benfica que é quarto.
É também importante realçar que ninguém acreditava, no início do campeonato, que o clube pudesse estar nesta posição de liderança, ninguém, incluindo a esmagadora dos seus próprios adeptos.
Podemos por isso afirmar, sem qualquer margem de dúvida ou disputa subjetiva, que o Rúben Amorim está a fazer um bom trabalho no Sporting e a ultrapassar largamente as expectativas.
Apesar disso, o seu mérito aqui é irrelevante, porque o Rúben não tem um papel e por isso, não pode trabalhar. Não importa se está no futebol desde os seus treze anos e tem uma vida dedicada a este desporto. Não interessa que tenha experiência como treinador em três clubes (Casa Pia, Braga e agora Sporting) e não é relevante, que tenha sido contratado nesta condição, sabendo o seu patrão (o presidente do Sporting), os adeptos e os próprios jogadores, que o Rúben não tinha completado o curso.
Convém também dizer, que a burocracia à volta do curso e sua própria realização, faz com que seja necessário um período de vários anos, até que todos os níveis sejam finalizados.
Por mais importante que o futebol seja para a sociedade, o Rúben Amorim não vai salvar vidas num hospital, nem vai construir casas ou edifícios, com potencial para nos desabarem em cima. A missão dele é colocar homens num campo de futebol, dar-lhes uma tática e gerir jogos. Não ter um curso não ameaça ninguém, não põe a vida de ninguém em risco e neste caso, nem sequer está a enganar o seu patrão, que está consciente das suas qualificações, ou falta delas.
O único grupo que é ameaçado com a falta do certificado, é o que apresentou a queixa. É a corporação que quer fazer do futebol a sua coutada. É a organização que acha que se pode sobrepor à vontade de um presidente e de milhões de adeptos, em nome dos seus interesses pessoais e corporativos.
E foi este acontecimento que me traz aqui, porque este episódio é muito do que é Portugal. O nosso país vive refém de corporações e burocracias, de grupos e de interesses. Porque são milhares e talvez milhões, os rubens amorins espalhados por este país, a quem são pedidas qualificações irrelevantes e certificados inúteis, e a quem é vedado o acesso a empregos e oportunidades de vida, por razões que dariam para um segundo volume de O Processo, de Franz Kafka.
Porque o mérito é secundarizado tantas vezes, e tantas vezes o primeiro é colocado em último e o último em primeiro, numa lógica perversa, de um sistema que se protege tão bem a si e aos seus.
Não é por acaso que, apesar de tantos problemas, Portugal não se reforma e não se fazem mudanças estruturais. Porque para mudar, é preciso quebrar muitos desses vícios instalados. É preciso mexer com interesses, é preciso desafiar hábitos e cortar raízes.
Ninguém quer perder privilégios e é compreensível que assim seja, mas não se reforma o funcionalismo público, porque não se pode afrontar direitos adquiridos. O sistema de justiça, que tanto precisa de uma mudança, é quase intocável, porque aparecerá sempre resistência dos juízes e magistrados do Ministério Público, dos advogados, dos réus e dos que ainda não o são. Não se consegue reestruturar o sistema de avaliação dos docentes, porque qualquer tentativa fará sobrevir greves nos períodos mais cruciais da vida escolar dos alunos. Qualquer mexida na segurança social, será sempre pintada com um retrato dantesco, mesmo nas alturas em que o sistema caminha para o precipício.
E na saúde…basta pensar que uma das primeiras medidas de chamada “geringonça”, foi reverter a reforma imposta pela Troika e retomar as 35 horas semanais de trabalho. Ainda acham que foi boa ideia?
E quem é que já tentou licenciar uma obra, uma construção privada ou qualquer outra ação, que envolva uma Câmara Municipal + uma terceira parte?
Nos ditames de um Portugal que insiste nos mesmos erros e que espera diferente seguindo sempre o mesmo fado. Cada história tem o seu Josef K.
Hoje, em Portugal, somos todos Rúben A.
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