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S.Ó.C.R.A.T.E.S = Solícito Órgão Civil Rasga Acusações: Togado Explica Sistema


Miguel Szymanski


No dia 1 de Abril leio no jornal Observador uma frase do presidente da República Portuguesa: “É o direito que serve a política, não é a política que serve o direito.” A primeira reação é achar que se trata de uma piada. Mas não. O contexto foi uma querela com o primeiro-ministro a propósito de se seguir o espírito da lei ou de a dobrar até a se conseguir atropelá-la de acordo com a conveniência do poder político. Quando António Costa disputa, Marcelo diz algo ainda pior.


Uma semana mais tarde, a frase ganha um novo significado. Depois de um tempo insuportável de espera, quase sete anos, o tribunal finalmente a pronuncia-se sobre as acusação do ministério público contra um ex-primeiro-ministro e mais de duas dezenas de outros acusados.


As televisões acompanham a par e passo os acontecimentos. José Sócrates vai assistir à decisão do juiz, emitida em directo pelas televisões, quanto a levá-lo a julgamento ou não. Antes do juiz falar, o ex-primeiro-ministro declara aos jornalistas a sua total confiança na justiça portuguesa. E vai assistir à leitura da decisão. Pelas declarações, ainda o juiz Ivo Rosa não falou, já se adivinha que Sócrates não vai a julgamento, ou se for, será por algum delito de cavalheiro, passe o oxímoro, a contradição semântica, de se pôr os termos ‘delito’ e ‘cavalheiro’ ou ‘cavalheiro’ e ‘Sócrates’ na mesma expressão.


E assim será. Passado horas de leitura o juiz faz cair pelo chão as principais acusações contra o primeiro-ministro. Ao mesmo tempo que admite haver provas de que Sócrates se deixou corromper, explica porque é que não irá responder por esse crime em que terá recebido várias dezenas de milhões de euros. O crime prescreveu. E explica porque não terá de responder por fraude fiscal. Porque não há crime fiscal se os rendimentos não declarados tiverem ‘origem ilícita’. Os fiscalistas ficam boquiabertos ao ouvir esta novidade.

O que sobra, aquilo pelo que Sócrates terá de responder em tribunal, são crimes menores. Para a explicação do que aconteceu naquela sala do palácio da justiça, tem de se recuar novamente ao dia 1 de Abril e à frase maquiavélica de Marcelo Rebelo de Sousa: ”É o direito que serve a política, não é a política que serve o direito.” O direito serve o príncipe, ou os príncipes. E os príncipes não se vergam ao direito.


Os crimes prescreveram, a polícia judiciária não teve meios para investigar, o ministério público não soube construir as acusações de forma mais consistente, porque alguém não quis que isso acontecesse. E esse alguém, que manipula as leis, até que deixem de escrever direito, que não dá meios aos investigadores e boicota o trabalho da acusação é o príncipe de que escrevia Maquiavel, é o poder executivo.


Aquele poder executivo que nos tempos em que o PSD estava no poder nunca acusou políticos que enriqueceram à vista desarmada de forma obscena. Nunca investigou como é que de um dia para o outro houve ministros que tinham cinco milhões de euros em contas bancárias. Nunca foi atrás de conselheiros de Estado como o ex-ministro Dias Loureiro e tantos outros. Nunca foi atrás das acusações contra Paulo Portas no caso dos submarinos. Na Alemanha houve empresários considerados culpados de corrupção activa num negócio de venda de material de guerra a Portugal. Mas em Portugal nunca se quis saber quem foram os políticos corrompidos.


A maioria dos deputados à Assembleia da República têm sido sempre advogados, juristas e lobistas especializados em desenhar leis de forma a que não sejam eficazes para combater a corrupção. Quando o ministério público avança, neste caso com o Partido Socialista no poder, arranja-se um juiz que já no nome tem a cor do partido cujo ex-líder está a ser julgado: rosa. Se estivesse o PSD no poder o juiz seria o senhor Zé Cor de Laranja.


Nas relações com a criminalidade há em Portugal quatro tipos de pessoas: os impolutos ingénuos, os que já foram às nêsperas, os que têm uma veia criminosa e os ex-políticos que enriqueceram por obra do espírito santo.

Foto: Yogendras31 - Pixabay

Há 20 anos um primeiro-ministro demitiu-se. Confessou-se incapaz de governar, comparou Portugal a um pântano. Mas foi nestes últimos 20 anos que foram cometidos os maiores crimes contra o país, que foi organizada a maior burla aos contribuintes de que há memória.


O BPN, o Grupo Espírito Santo, passando por meia dúzia de outros bancos e grupos financeiros, são só alguns exemplos. Perderam-se a EDP, os CTT a PT, a TAP, entre muitas outras empresas públicas. Vinte anos é o hiato de tempo que separa o pântano do esgoto a céu aberto. Mas governar numa cloaca não apresenta dificuldades de maior. Só temos de nos habituar à imundície e ao cheiro.


Além de Sócrates, um dos investigados mais flagrantemente ilibado foi Zeinal Bava. O juiz considerou que não havia fundamento para o fazer responder por um só dos muitos crimes de que o ministério público o quis acusar. Ivo Rosa olhou para os factos e percebeu: o ex-CEO da PT só tinha cedido a sua conta bancária para ajudar Ricardo Espírito Santo Salgado, presidente do grupo financeiro GES, que, aflito, precisava de depositar algures 25 milhões de euros e não tinha onde. Bava foi um fiel depositário, decidiu o magistrado. Não quis saber que Bava empurrou a PT para a ruína para beneficiar o homem que lhe depositou os milhões na conta. Em analogia, eu poderia decidir hoje que o tubarão branco é um cão preto. Porque o tubarão é um peixe e o bacalhau, que também é um peixe, é o ‘fiel amigo’, que, como todos sabem, é o cão. Além disso é um cão de água.


De um país que chegou a este ponto beneficia infelizmente um partido como o Chega. Porque muita gente se esquece que, neste esgoto a céu aberto, os ‘chegas’ se alimentam de imundícies e são aquilo que comem e vomitam. O que nos resta fazer? Votar diferente.



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