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Quem pode, pode!


A Alemanha, de tempos a tempos, gosta de se dar ares de novo-rico. Pena que no rasgo mais recente, a criação do Baukindergeld (subsídio à aquisição de habitação própria, destinado a famílias com filhos), uma medida acordada no âmbito das negociações para a formação da grande coligação CDU-CSU-SPD, o governo se mostre mais preocupado com um populismo fácil e oportunista, do que com a utilização do dinheiro público para endereçar questões sociais, que são muito mais estruturais para a resolução dos problemas actuais.


É deveras irritante a mania que os políticos tendem a ter, achando saber decidir melhor sobre as vidas das pessoas do que elas próprias. Liberdade, neste caso, termina nos discursos que elogiam o valor, mas que se revelam abstractos na prática: quando toca à acção, não se perde tempo em limitar a liberdade individual. E nisto, ignora-se a vontade das pessoas e perde-se a informação riquíssima que o mercado constrói: é o mercado que informa eficazmente os agentes económicos, não é o governo que, com recurso a uma bola de cristal, consegue determinar o que o mercado precisa ou quer. Subsídios são distorções ao mercado. Certamente que este as irá ler e agir em concordância. Tal, contudo, leva frequentemente ao efeito oposto daquilo que as medidas políticas se propõem alcançar.


É o caso do Baukindergeld. Claramente, a política não pensa no mercado: o resultado mais provável da criação deste instrumento será um inflacionamento, ainda maior, dos preços no mercado imobiliário através de dois efeitos. Primeiramente, o acréscimo de procura vai colocar pressão adicional sobre os preços. Em segundo lugar, o governo mantém uma perspectiva ingénua sobre a bondade dos agentes, que é questionável: achará mesmo que o mercado , tomando conhecimento deste subsídio, não irá repercurtir a liquidez adicional nos preços de construção, mediação e aquisição? Não seria melhor assumir uma função reguladora, analisando eventuais falhas de mercado e criando incentivos à acessibilidade à habitação face aos preços correntemente praticados? Vamos ter, depois, mais políticas à custa do erário público para resolver o aumento de preços do arrendamento (pela escassez de oferta resultante do desvio de apartamentos para a habitação própria) e de aquisição (pela maior procura)?


E porquê a obsessão com a menor taxa de habitação própria na Alemanha (inferior a 50%) em comparação com a média europeia (70%)? Ignora-se que uma maior taxa de arrendamento significa uma maior flexibilidade e desafogo das famílias com obrigações financeiras, que pode facilitar a promoção de uma maior dinâmica social, de emprego, de equidade territorial e eficiência económica. Não será essa uma das razões a sustentar o melhor desempenho económico do país? Parece tratar-se de um caso de se querer ser sexy num indicador em vez de se pensar naquilo que ele representa.


Por último, a imposição de um limite temporal (3 anos) é absurdo e é a denúncia explícita do populismo barato da medida. Por um lado, impede que o Baukindergeld possa funcionar como política de incentivo à natalidade, o que poderia, pelo menos, evidenciar alguma racionalidade da parte do Estado: afinal, estaria a pensar na sustenbalidade futura com o aumento do número de contribuintes futuros. Contudo, não é razoável supor que o planeamento familiar possa ser reconsiderado tão abruptamente face à oportunidade que é dada para se beneficiar deste instrumento. Por outro lado, é também digna de nota a inequidade que esta política comporta: a atribuição do subsídio não está associada à garantia de financiamento a 100%, pelo que só beneficiará famílias que tenham já algum capital de entrada garantido. Portanto, nem sequer se pode considerar um incentivo à poupança para aquisição de activos. O objectivo é meramente a promoção da aquisição de habitação própria, imediata, para quem possa. Ponto. Com que propósito? Tapar os olhos com a peneira, ignorando a experiência passada e os avisos duros do Tribunal de Contas alemão.


Estamos em fim de festa. Gostava de ver a líder de governo mais dedicada a gerir a sucessão e a deixar um legado que possa ser lembrado pelo que teve de melhor, e não pela miséria dos últimos dias e por um populismo fácil que não serve a ninguém.


Tiago Pinto Pais


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