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"Portugal poderia ser um dos países mais prósperos da Europa e do mundo, mas escolhe não o ser"

Entrevista | Gonçalo Galvão Gomes, Gestor e Analista Político


Gonçalo Galvão Gomes reuniu no livro “Visto de Fora”, acabado de publicar, uma selecção de crónicas que escreveu para este jornal e para o “Observador”. Português residente em Berlim, estudou Filosofia e Direito, passou pelo exército português, não negou trabalho e foi um membro proeminente do PAN até ter decidido desfiliar-se. Afirmou-se como um pensador e analista político independente através das suas crónicas e podcasts, razão pela qual quisemos ouvi-lo nesta ocasião.


TPP

PT Post Teve um percurso formativo e profissional muito variado e rico, com um conjunto de experiências que muitos da sua geração não terão tido - nomeadamente a passagem pelo exército português -. Há alguma que crê que o tenha marcado mais e que esteja bem presente no pensamento actual?


Gonçalo Galvão Gomes Ter começado a trabalhar desde cedo e em alguns contextos difíceis trouxe-me uma perspetiva diferente, a que a maioria das pessoas da minha idade não teve acesso – e, em alguns casos, ainda bem. Tive períodos na vida em que passei mais de seis meses sem um dia de descanso e cheguei a acumular 3 empregos em simultâneo. Por isso, quando falo e escrevo sobre tópicos como “trabalho” ou “pobreza”, faço-o com propriedade e experiência. Também por isso, acumulei experiências e vivências interpessoais únicas que contribuíram muito para o meu desenvolvimento pessoal e para o meu sentido de consciência social. A minha passagem de dois anos e meio no exército foi mais necessidade do que vocação. Para um jovem de 18 anos que precisava de ajudar em casa, as forças armadas pareciam ser um instrumento para continuar a estudar e manter uma fonte de rendimento. Pelo menos foi assim que me foi vendido, embora apenas tenha correspondido à realidade de forma parcial.



PTP Que reflexão lhe merece o caminho que fez entre candidato do PAN a pensador independente próximo da área da direita conservadora?


GGG Eu não sei se estou próximo da direita conservadora [risos]. A wikipedia alemã tem lá escrito algures que sou um “liberal-konservativer”. Não sei quem escreveu isso, não sei sequer se está certo ou errado, até porque o meu posicionamento ideológico é uma incógnita para mim mesmo. Volta e meia tenho flirts com o conservadorismo, mas creio que a maioria dos conservadores ficará desgostado com as minhas opiniões sobre tópicos como a eutanásia.

No livro tenho um capítulo chamado “Os radicais do Centro” e julgo que é mais por aí que ando. O problema é que uma parte da esquerda moveu-se tanto para o extremo-esquerdo, que a maioria das pessoas que antes andava pelo centro, agora parece um radical de direita, mesmo que tenha ficado no mesmo sitio.

Mas é verdade que com a idade talvez esteja mais reacionário, o que julgo ser um lugar-comum para muita gente.

O PAN seguiu a transitória que mencionei anteriormente e extremou-se. Foi criado como um partido sem grande ideologia política e mais voltado para causas específicas: direitos dos animais e ambiente, o que permitiu uma harmonia rara entre pessoas de vários quadrantes políticos, que podiam não concordar em questões económicas ou sociais, mas entendia-se quando a questão era o bem-estar dos animais, mas acabou por ser tomado por ativistas de causas distintas e moveu-se para o lado radical da esquerda interseccional. Na minha carta de desfiliação escrevi que não me tinha filiado num partido de extrema-esquerda e por esse motivo estava de saída depois de 10 anos de militância.

É verdade que mudei e não sou a mesma pessoa que se filiou há 13 ou 14 anos, mas o partido mudou mais do que eu e é pena, porque nos faz falta ter um partido daquela natureza e o PAN tornou-se mais uma anedota do que um partido ambientalista.


PTP Entende que a questão da sustentabilidade ambiental lhe merece o mesmo respeito e carinho que no passado?


GGG Sim, completamente, mas eu acredito num ambientalismo humanista. A chave para a consciência ambiental é a prosperidade. Não há consciência social em países de terceiro mundo ou em contextos de pobreza e se queremos que as pessoas comecem a pensar em tópicos como poluição, lixo, ou até em direito animal, é preciso tirá-las da pobreza. Dito isto, rejeito por completo as teorias Malthusianas daquele que chamo “ambientalismo de primeiro-mundo”. A geração mais privilegiada de sempre, a viver um vazio de propósito, decidiu que o problema do planeta são as pessoas e que a chave para salvar o planeta é o empobrecimento dos outros. Eu entendo que os adolescentes achem piada a formas niilistas de ver a sociedade, mas os adultos não deviam patrocinar e dar indultos a esse tipo de ideias.


PTP Como envolver as gerações mais novas na construção de soluções políticas de futuro?


GGG Eu julgo que antes de querer mudar a sociedade é preciso organizar a própria casa. Se um jovem crescer com sentido de responsabilidade pessoal, e entender o mundo que o rodeia. É provável que um dia sinta vontade de dar o seu contributo de forma mais coletiva - à sua comunidade, ao seu país, e ao mundo.

Também é preciso estudar história e conhecer bem o que aconteceu antes. Muitas das ideias parvas que vemos hoje em dia só são populares porque as pessoas nunca leram sobre as experiências do passado.


PTP Qual o maior desafio para a nossa sociedade?


GGG Eu diria que o maior desafio do momento é tentar não cair numa guerra mundial com contornos nucleares. A força dos lobbies da guerra está determinada em meter-nos num cenário de nova guerra fria, e julgo que a maioria das pessoas não está a perceber. Basta ver as cotações de bolsa das maiores empresas de defesa norte-americana, um mês antes e depois da guerra na Ucrânia, para entender que há muita gente a lucrar com a instabilidade diplomática mundial. O problema destes cenários é que basta uma das partes pisar o risco e somos todos sugados para um conflito qualquer. Os Europeus habituaram-se à paz e tomam-na como garantida e isso é um perigo.

A médio prazo há muitos desafios e não nos estamos a preparar para a maioria deles. O primeiro são as ameaças à liberdade, nomeadamente à liberdade de expressão. Os americanos têm a primeira emenda que lhes dá direito constitucional à liberdade de expressão, mas nós não temos e a Europa está a tornar-se cada vez mais iliberal.

A segunda é a queda populacional, que também abordo no livro. Com a quebra de natalidade a Europa será um continente de velhos e isso será terrível para a sociedade. Da inovação à própria organização política, pagaremos uma fatura alta por essa falta de planeamento. Imaginemos uma sociedade em que a maioria dos eleitores terá mais de 50 anos, em que os interesses da população mais nova e classe trabalhadora serão secundarizados. Isso tem desafios enormes, nomeadamente ao nível da sustentabilidade económica, social, e até ambiental.


PTP Está igualmente interessado na política portuguesa (que escolhe como primeiro capítulo do seu livro) e na política internacional? Porquê?


GGG Eu amo Portugal e odeio a política portuguesa. Não me canso de dizer que Portugal poderia ser um dos países mais prósperos da Europa e do mundo, mas escolhe não o ser.

Os portugueses vêem o país na cauda da Europa e a ser ultrapassado por países como a Polónia, República Checa, e Eslovénia, que ainda há pouco estavam atrás de nós em PIB per capita e não se questionam sobre o que andamos a fazer de mal.

A variável está à vista e só quem anda em estado de cegueira ideológica é que não vê - em pouco mais de 40 anos de democracia, fomos governados quase sempre pelo mesmo partido e os resultados têm sido um desastre. Diz-se em futebol que em equipa vencedora não se mexe, Portugal é uma equipa perdedora em que não se mexe, e não se pode esperar resultados diferentes a fazer sempre a mesma coisa. O primeiro capítulo do livro é basicamente a falar sobre isto, mas também sobre as políticas dedicadas à emigração que têm sido um desastre. Os cargos políticos ligadas à emigração são entregues na sua maioria a mercenários e carreiristas e isso tem tido as consequências que sabemos no desenvolvimento das comunidades portuguesas no estrangeiro. Também há um capítulo onde falo sobre política internacional, bem, na verdade, existem dois porque há um apenas sobre a Ucrânia. Eu tento explorar nos meus textos as consequências da política internacional para Portugal e para a Europa em termos económicos, mas também culturais. A Europa anda a ser gerida por gente muito incompetente e em alguns casos muito corrupta. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, é um desses rostos e dediquei-lhe algumas linhas no livro.


PTP Tem uma posição muito crítica sobre o apoio financeiro e militar à Ucrânia. A Rússia não é o lobo mau? Como entende que o conflito deverá ser mediado e conciliado?


GGG Estas questões são demasiado complexas e eu fico sempre desconfiado quando vejo políticos com panaceias simplistas para problemas altamente difíceis de resolver.

Os países do chamado ocidente decidiram que a melhor forma de ajudar o povo ucraniano é enviarem material militar e sacos de dinheiro e esperem que a Ucrânia lute até ao seu último homem, numa guerra que todos sabem que não pode ganhar. E esta é a primeira mentira que nos andam a contar - a menos que a NATO tome participação direta da guerra e nos envie todos para um conflito nuclear, não há forma da Ucrânia recuperar o território perdido. Não sejamos ingénuos de pensar que o Kremlin vai desistir das suas pretensões apenas porque lhes deixámos de comprar gás, ou porque uma parte da sua população está a ser sacrificada no conflito. Mais cedo do que isso, a Ucrânia ficará sem homens para lutar e não há equipamento ou dinheiro que enviemos que previna esse facto.

A segunda mentira é a da ameaça da Rússia para a Europa, numa narrativa em que nos dizem que a Ucrânia é só o começo e depois se seguirá a Polónia e o resto da Europa. As mesmas pessoas que nos querem convencer que o exercito ucraniano têm hipótese de reconquistar todo o território perdido e vencer o exército russo, também nos dizem que a Rússia enfrentaria a NATO se tivesse oportunidade. Isto é ridículo. A Rússia sabe que qualquer conflito com a NATO seria a sua destruição e obviamente não tem interesse nisso, mas vendem-nos essa narrativa como se tivesse qualquer base de sustentação. A terceira mentira e aquela que provavelmente motiva o envio de "ajuda", é a omissão que a Ucrânia era, até ao dia anterior da ocupação russa, o país mais corrupto da Europa e um dos mais corruptos do mundo segundo quase todos os estudos, incluindo o da CPI. Querem nos convencer que a forma da ajudar o país é entregar sacos de dinheiro e milhares de milhões em equipamento a algumas das pessoas mais corruptas do planeta, criando um incentivo perverso para que o conflito não tenha fim. Onde é que andam os oligarcas ucranianos? Até há uns anos, os 50 homens mais ricos da Ucrânia era responsáveis por mais de 80% do PIB do país. Por que não são chamados a pagar pela defesa do seu país? E por que o senhor Zelensky e outros políticos ucranianos mantêm casas de luxo no exterior, enquanto os europeus andam a pagar a defesa do seu país?

A Ucrânia tornou-se uma lavandaria para muita gente, incluindo para muitos dos políticos europeus, e enquanto muitos cidadãos europeus pensam que estão a ajudar aquele país, estão, na verdade, a patrocinar a continuidade da guerra. A Rússia obviamente não é confiável, mas há muitos países que também não o são e isso não impede de termos relações diplomáticas e económicas com eles. Parte dos territórios que estão agora ocupados pela Rússia, já estavam em guerra civil antes da Rússia mandar oficialmente para lá tropas. Esta ideia que a Ucrânia era um país unificado antes da ocupação, é mais uma fantasia. Algumas daquelas regiões já não eram de facto Ucrânia há quase uma década e ninguém se parecia preocupar muito com isso.

Julgo que a solução deverá passar por negociar o território ocupado à Rússia, com a garantia efetiva que o resto da Ucrânia não voltará a passar pelo mesmo. Como essa garantia se dará, não sei ao certo, mas a perda de território não se poderá dar sem essa contrapartida. O problema é que quanto mais tempo se esperar por essa negociação, menos leverage a Ucrânia terá. Basta que o próximo presidente dos Estados Unidos queira cortar o apoio, e a Ucrânia ficará numa péssima situação para negociar e, em breve, nem homens terá para combater.


PTP Porquê este livro e porquê agora?


GGG O livro aparece agora por 3 razões distintas, a primeira é que finalmente consegui ter uma pausa profissional para me dedicar a ele, a segunda é que atingi o ponto em que o número de crónicas têm conteúdo suficiente para um livro, e a terceira é que apareceu uma editora com vontade de o publicar. Neste último ponto é preciso destacar e agradecer o trabalho do Mário dos Santos e da Oxalá Editora, não só pela contribuição para que este livro se materializasse, mas pelo serviço que faz aos escritores portugueses na diáspora. Em termos de conteúdo, acho que o livro é um excelente instrumento para suscitar debate e questões sobre o mundo em que vivemos. O propósito dos meus escritos nunca foi de convencer as pessoas, mas trazer-lhes um ponto de vista alternativo que as levasse a questionar o mundo que as rodeia. Espero ter tido algum sucesso nessa matéria.


PTP Iniciou este ano um podcast que tem tido um sucesso de audiências interessante. Esperava-o? O que é que crê estar na base dele? O que é que entrevê para o futuro do programa?


GGG O podcast “Os Homens do Fraque” surgiu de forma mais ou menos espontânea entre 3 amigos e transformou-se num programa semanal com resultados interessantes. Costumamos estar no top 20 de podcasts sobre política em Portugal, o que é animador para um projeto que nunca se quis levar muito a sério e funciona quase sem meios. Julgo que o facto de falarmos sobre as coisas sem rodeios e sem agendas partidárias contribui muito para o nosso crescimento.

Quanto ao futuro, é difícil prever. Portugal, até pela sua dimensão, oferece limitações para projetos de média alternativos, mas enquanto nos divertirmos a gravar programas, cá estaremos.


PTP Vê-se como um pessimista? Que mensagem optimista gostaria de partilhar com quem o lê e lerá?


GGG Não sou pessimista, mas não me deslumbro com facilidade. O pragmatismo pode ser confundido com pessimismo se o cenário circundante estiver encoberto com neblina. A mensagem que posso deixar é que, mesmo que às vezes não pareça, a maioria das pessoas é boa, tem boas intenções e quer um mundo melhor para si e para os outros. O problema é que os extremos fazem muito barulho e têm monopolizado o debate. A maioria das pessoas não acredita em soluções marxistas para resolver os problemas da sociedade, ou em ideias absurdas sobre género, ou que nos devamos envergonhar de coisas que não escolhemos, como a nossa nacionalidade ou cor da pele. Mas a maioria tem que deixar de ser silenciosa, ou arriscamos deixar os loucos do asilo governarem o mundo em que vivemos. Não é propriamente uma mensagem carregada de otimismo [risos], mas tem esperança. Ainda vamos a tempo.

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