1. A precipitação e o imediatismo continuam a ser maus conselheiros. A Alemanha viu-se mergulhada numa crise política nacional de grandes proporções na sequência da eleição do líder de governo na Turíngia. Recordamos nesta edição os momentos determinantes da eleição, cujo desfecho foi a escolha de Thomas Kemmerisch (FDP) para encabeçar o governo estadual graças aos votos favoráveis da CDU e AfD a par dos do seu próprio partido. Tudo o que se passou a partir do momento em que foi eleito só pode ser caracterizado como tendo ido de mal a pior, com o nervosismo da hora, ou mesmo histeria, a ditar a eliminação de qualquer razoabilidade na torrente de apreciações políticas, muitas longe de poderem ser consideradas análises, que se seguiram e que ditaram uma interpretação dos factos, no mínimo, insustentada.
A polémica da eleição de Thomas Kemmerisch foi determinada pelo entendimento imposto em como terá sido cruzada uma linha vermelha da política alemã: a recusa de cooperação com a extrema-direita representada pela AfD. A questão principal a colocar prende-se com o facto de, em nenhum momento, essa cooperação ter ocorrido e, como tal, a impossibilidade de a demonstrar; afinal de contas, como ficou bem patente na reacção de estupefacção de todos os membros do parlamento local aquando da apresentação dos resultados, a eleição de Kemmerisch não foi sequer antecipada. O mesmo anunciou com transparência que se apresentaria a votos caso não houvesse um líder eleito nas primeiras duas votações, com o propósito de procurar de uma solução ao centro. Não houve qualquer acordo com a AfD, fosse ele de incidência parlamentar e, muito menos, de governação. Após a eleição, toda a declaração política de Kemmerisch foram no sentido de apelar ao centro e de construir um governo sem qualquer influência da AfD.
Com a reacção que se seguiu garantiu-se uma enorme vitória à AfD, gritando-se, contudo, lutar contra a sua ascensão e os riscos que tal pode representar. Todo o mediatismo criado só conseguiu contribuir para o aumento a visibilidade deste partido, sem lhe tecer qualquer crítica e validando-lhe o oportunismo esperto que o levou a tomar a opção de votar contra as expectativas. Contrariar a AfD tem necessariamente de passar por lhe tirar o poder de alcançar os objectivos a que se propõe, particularmente negando-lhe a oportunidade de fazer uso das regras democráticas para minar a democracia por dentro.
A resposta certa ao que se passou teria sido a união em torno de um democrata, mostrando abnegação do poder e preocupação com uma governação moderada. Isso sim teria sido uma declaração de amor à moderação na política, mas não geraria, muito provavelmente, o número de títulos de jornal que produzissem o ruído e polémica pretendidos e que permitissem a projecção da vaidade e sobranceria de alguns. Parece ter prevalecido um amargo de boca pela incapacidade de se ter garantido o resultado que alguns pretendiam, pondo em causa o seu poder. A arrogância, má-educação e má-fé foram por demais visíveis no gesto de Susanne Hennig-Wellsow que, lamentavelmente, não pode ser considerado como uma declaração política (antes fosse), mas apenas uma manifestação de desgosto por não ter sido garantido o resultado que considerava ser titulado pelo partido que representa. Pelo que deixou visto, certamente não tardará a tomar a iniciativa de propor o abandono da eleição por voto secreto e a adopção da votação de braço no ar, com penalizações consagradas a quem ouse divergir de uma verdade previamente ditada.
Tudo o que foi vivido na Turíngia recorda prontamente a parábola de Pedro e o lobo: de tanto se gritar perigo, sem que o mesmo seja observável, e pedir-se socorro sob qualquer circunstância, o perigo real é recebido com indiferença quando realmente surje e requer o combate sério. Teríamos todos ficado a ganhar com menos alarido e com a criação de um governo que se distanciasse e combatesse a AfD. Conseguiu apenas dar-se-lhe projecção e que, no dia em que estiver mais próxima de controlar a definição de políticas ou de integrar um governo, tal possa vir a ser visto com maior normalidade e não como o real perigo que é. Até lá e no imediato, corre-se o risco de novas eleições, das quais todos parecem querer fugir apesar da clarificação que agora se exigiria, poderem resultar num parlamento composto em 2/3 por forças políticas de extremo. Seria importante não esquecer a proximidade que a História nos mostrou estas poderem ter.
2. Numa nota final sobre o que se viveu na Turíngia, não posso deixar de referir, com preocupação, a hipocrisia de muitos apoiantes da solução que vingou para a constituição do XX Governo constitucional português, e que ficou popularmente conhecida por ‘geringonça’. Afastar forças políticas extremas parece, afinal, só ser legítima quando proveniente de um lado do espectro político. Em Portugal, com acordos formais de incidência parlamentar e com desrespeito à prática institucional, não há problema em construir uma maioria que integre a extrema esquerda. Na Turíngia, em que não houve qualquer acordo de cooperação com a extrema direita e se seguiu a prática institucional, anuncia-se uma campanha apaixonada contra o extremismo. Estimaria maior consistência, para garantir um debate e luta mais saudáveis e menos ditados pelo oportunismo do momento.
3. Podendo respeitar a decisão de Luísa Semedo em demitir-se da posição de presidente do Conselho Regional da Europa, história que também se desenvolve nesta edição, parece-me tratar-se de mais um caso em que o resultado é o inverso do que se propõe. De repente, ao querer distanciar-se do deputado André Ventura, acabou por lhe dar uma oportunidade de visibilidade, que este sabe navegar como ninguém. Mais importante será rebatê-lo boa e alta voz, expondo a falácia das posições que vem assumindo. Certamente que o continuará a fazer enquanto conselheira, mas é pena que alguém com a sua inteligência não faça uso do papel institucional que detinha para o fazer com mais peso.
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