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Partido de extrema-direita AfD convence menos alemães

A AfD, que nas eleições de 2017 se tornou o maior partido da oposição, entrando pela primeira vez no parlamento alemão, e chegando, no ano seguinte, aos 18% das intenções de voto, está a cair nas sondagens. A pandemia de covid-19 e o extremismo de direita, temas que o próprio partido convidou e forçou a entrarem no debate, parecem estar agora a empurrá-lo a sair.


Lusa / PT Post


‘Das Boot ist voll’ (O barco está cheio), a letras carregadas, completa a lista no quadro branco da sala onde tem lugar o curso ‘Argumentationstraining gegen Parolen und Populismus’ (Curso de argumentação e contra slogans e populismo, em tradução livre), um curso mensal, organizado pelo governo de Berlim, destinado a rebater argumentos populistas na discussão política. É mais um ‘slogan’ que alguns dos inscritos no associam imediatamente à AfD, embora o curso seja apartidário, conforme sublinha Methuja Thavarasa, educadora política que o coordena – “o populismo sempre existiu”.


O “barco” do populismo, comandado na Alemanha pela visível AfD, ganhou balanço em 2015 com a crise dos refugiados. A postura anti-imigração levou-os a conseguir em 2017, nas últimas eleições legislativas, 12,6%, um número que confirmou o antecipado pelas sondagens. Em 2018 e 2019, o partido atingiu uma posição estável, acima dos 13%, tocando os 18% em alguns estudos. Mas 2020 traçou-lhe um novo rumo, com resultados que não ultrapassam os 8 a 10%.


A Alternativa para a Alemanha parece ter deixado de o ser para muitos alemães, especialmente nas regiões do leste do país, onde as conquistas eram mais elevadas. “Não há uma razão única, há várias”, sustentou também à Lusa Eric Linhart, professor de Ciências Políticas na Universidade Técnica de Chemnitz.

“Muitos dos que votam na AfD consideram-se conservadores e de centro-direita, mas não da extrema-direita. O partido, no entanto, tem-se radicalizado, o que desagrada os eleitores moderados”, salienta. O processo de radicalização levou a “lutas intrapartidárias”, defende o politólogo, “publicamente visíveis entre membros do partido, menos e mais radicais”, com os exemplos do líder federal, Jörg Meuthen (que representa a fação mais moderada), Björn Höcke (da chamada “Ala”), à frente da AfD na Turíngia, e Alice Weidel, líder do grupo parlamentar.


Mas os escândalos somam-se. Em maio deste ano, Andreas Kalbitz, antigo líder da AfD no Estado de Brandenburgo, foi expulso do partido por alegadas ligações a um movimento neonazi. Em setembro, o ex-porta-voz do partido, Christian Lüth afirmou, num documentário emitido no canal ‘ProSieben’, que os imigrantes deveriam ser mortos “a tiros ou com gás”.


Para Floris Biskamp, especialista em política populista de direita da Universidade de Tübingen, a escolha extremista do partido passou a ser clara em 2019, quando a “Ala” (Der Flügel), a fação radical, ganhou mais poder e relevo, marginalizando os seus opositores.


Já este ano, a ‘Verfassungsschutz’, o Serviço de Inteligência interna da Alemanha, decidiu considerar a “Ala” um grupo extremista, tornando possível uma investigação alargada a todo o partido. “É provável que essa perspetiva tenha afastado alguns dos eleitores que apoiavam a AfD, e que não se consideravam de extrema-direita. Certamente afastou alguns membros do partido e delegados que não querem ser rotulados de extremistas, ou alvos de uma investigação, que pode ter efeitos prejudiciais sobre a sua posição social, económica ou profissional”, adiantou à Lusa o politólogo.


Durante a interrupção para café, Methuja Thavarasa comenta com duas participantes que, pelo curso, até já passaram elementos da AfD. Acrescenta que é preciso entender bem os argumentos do outro, para poder desmontá-los, desmenti-los, dando uma verdadeira alternativa. “O objetivo do curso é dar ferramentas, estratégias”, partilhando experiências, e conceitos. Quando todos se apresentam, escrevendo, a marcador, o primeiro nome numa folha branca, Methuja Thavarasa conta que nasceu e cresceu na Alemanha, mas, que por ter pele escura, também já foi alvo de vários comentários racistas.


Quando o grupo, do qual fazem parte estudantes, advogados, professores, consultores, entre outros, de várias idades, se divide, numa espécie de teatro improvisado, as vozes levantam-se. Fingem que estão em diferentes ambientes, do jantar em família, ao comboio, à cozinha da empresa. Esgrimem argumentos, alguns fictícios, outros reais. Uns acusam, outros defendem. Acusar é sempre mais fácil, concluem. “A AfD sempre tentou tirar proveito da construção de inimigos, tais como a União Europeia, o Islão, os refugiados, ‘Fridays for Future’. Desde que a pandemia de covid-19 passou a dominar o panorama informativo, a AfD perdeu a maior parte dos seus tópicos”, aponta Eric Linhart.


Para Benjamin Höhne, vice-diretor do Instituto de Pesquisa Parlamentar (IParl), a AfD “não mostrou ter um plano coerente e homogéneo na forma de combater o vírus”. “Para alguns membros do partido, as medidas adotadas pelo governo são muito brandas, para outros, muito severas”, ligando-os às manifestações contra as regras de higiene, nomeadamente contra o uso de máscara de proteção. Höhne acrescenta que não só a AfD, como todos os partidos da oposição, como os Verdes, os liberais do FDP, ou o partido Die Linke (A Esquerda), têm vindo a “perder votos” graças à forma como o governo está a gerir a crise, entendida como positiva pelo eleitorado.


Apesar disso, considera Floris Biskamp, tem sido “particularmente difícil para a AfD adotar uma posição que

seja coerente com o seu partido, mas que ao mesmo tempo, fale aos seus apoiantes”. “No início da pandemia, a AfD aplaudiu as ações do governo, alegando que elas iam de encontro ao desejo de um Estado forte, disposto a fechar fronteiras (...) Durante a primavera, o partido decidiu mudar de estratégia, opondo-se à maioria das medidas do executivo, apelidando-as de ditatoriais, injustificadas e uma violação dos direitos dos cidadãos”, refere. O politólogo acredita que, se por um lado essa abordagem satisfez uma parte do partido, mais inclinado a acreditar em teorias da conspiração, por outro lado afastou o eleitorado com mais idade, e que teme pela vida. Em suma, “a pandemia é uma situação estratégica muito desafiadora para a AfD”.


A um ano das próximas eleições legislativas, Angela Merkel e a União Democrata-Cristã (CDU) conseguem entre 35% a 38% dos votos, de acordo com as últimas sondagens, quando no escrutínio de 2017 se ficaram pelos 32,9%. A gestão da crise dá novo fôlego ao último ano da chanceler no poder. Todos os principais partidos, exceto a CDU e os Verdes, obtêm hoje, segundo os estudos, menos votos que há três anos.


Biskamp duvida que a AfD continue a perder eleitorado. Tanto a evolução da crise provocada pela pandemia de covid-19, como a capacidade para resolver os conflitos internos, serão decisivos para o partido formado em 2013.


Já Höhne assume que “enquanto durar a crise, o cenário será o mesmo”, ressalvando que, com medidas de proteção cada vez mais restritivas, os protestos de rua podem também “tornar-se mais intensos”.


A queda da AfD nas sondagens é, ainda assim, menos visível em algumas regiões do país, como a Saxónia, o Estado mais a sul do leste alemão, e não é acompanhada pela diminuição ou desaparecimento de grupos ou movimentos radicais. Mas a consciência de que esta tendência existe, está a crescer.


Agora a funcionar ‘online’, o curso que ajuda a rebater os argumentos e ‘slogans’ populistas continua, uma vez por mês, a esgotar. Desde 2017, altura em que nasceu, “nunca faltou interesse”, realça Thavarasa, porque é a voz e a palavra que fazem toda a diferença, também na altura de marcar a cruz.


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