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Os dias do fim


1. O que eu gostava que o título desta opinião se referisse à pandemia que continua a afectar a vida de todos, um ano depois do combate à mesma, via primeiro lockdown, ter sido formalmente instituído. Dias antes, havia estado em Nordrhein-Westphalen e He ssen, na última deslocação interna nos moldes que conhecia, e que sempre foram importantes para garantir a proximidade à comunidade a que este jornal se dirige primeiramente. Sinto a falta de poder partilhar as tantas iniciativas portuguesas pelo país fora e cuja cobertura sempre teve lugar nas primeiras páginas deste jornal. Não ignoro a criatividade encontrada por tantos, como mais uma vez se reflecte nesta edição, em que se dá a conhecer a transformação de um projecto cultural, pensado como espectáculo ao vivo, em filme a estrear no dia 8 de Abril (nota: esta é uma co-produção com a Berlinda, associação que dirijo). Mas, como todos o sentimos, cada vez mais, não é a mesma coisa: falta a interacção e o calor humano.


A verdade é que, durante o último ano, houve lugar dado à esperança. A adesão a confinamentos, tolerando restrições à liberdade individual questionáveis, só pode ter sido sinal disso: aceitação, numa perspectiva de sacrifício, na esperança de contribuir para ultrapassar a situação com a brevidade possível. O surgimento de múltiplas vacinas, que atravessaram todas as fases de teste e de aprovação regulamentar, com uma celeridade nunca antes imaginada, mostraram o privilégio de vivermos num mundo global e do conhecimento científico ao nosso dispor. E a esperança que tal nos deu!


Já partilhei, neste espaço, a minha desilusão com o curso seguido na Alemanha desde o Outono, em que a liderança política se demitiu, e tem deixado a sociedade desorientada e despegada das tentativas desinspiradas de controlo da Covid-19. A certa altura, há que chamar os bois pelos nomes, e, neste momento, falta assumir responsabilidade política por Angela Merkel, que para todos os efeitos lidera o governo, e Jens Spahn, ministro da Saúde. A política não é conhecida por ser justa, mas que Armin Laschet, há dois meses na liderança da CDU, seja o sacrificado pelos erros do erro, parece-me, no mínimo, irrazoável. A chanceler assumiu um rumo e tem-no mantido, por muito que vá sendo questionada, a ponto de se poder questionar se estamos perante convicção ou teimosia. Seja uma, ou seja outra, exigir-se-ia pelo menos a humildade de um mea culpa, assumir que houve erros e franqueza no porquê de se seguir uma determinada linha política. O que não é de todo respeitável é, por exemplo, ver-se a chanceler utilizar a discussão de valores de incidência de casos de Covid-19 por cem mil habitantes como arma negocial, como o fez no último mês, puxando pelo valor de 35 para conseguir o de 50, que pretenderia garantir desde o início. Manter um ministro da Saúde que não consegue cumprir o que se propõe e anuncia perante o público, ainda mais quando envolvido em situações eticamente questionáveis, despendendo energias a tentar impedir o acesso público a registos prediais da casa comprada em Berlim e a defender o pedido de contribuições monetárias para o seu círculo eleitoral a participantes num jantar em que esteve presente, o que perante as exigências que o seu ministério enfrenta, não parece ser aceitável.


16 anos à frente de um governo é muito tempo e dá azo a um desfecho infeliz. O último mandato de Angela Merkel deixa pouco para a história, com meio ano despendido na formação da coligação governamental, e sem nenhuma visão de futuro prosseguida, não se registando qualquer reforma implementada para garantir um futuro mais risonho. Angela Merkel foi, e é, uma excelente política. Também foi, muitas vezes uma boa líder de governo. Sempre floriu em momentos de crise, claramente aqueles em que foi melhor. A actual crise podia ter sido mais um. Infelizmente, neste último desafio, depois de um começo respeitável, tem desperdiçado o seu capital de forma lamentável. E, sobretudo, acabará um mandato com um governo descoordenado e falhando em várias dimensões: na preparação da sucessão, na assunção de responsabilidades e num legado que pudesse abrir um caminho de futuro para o país que dirigiu quase duas décadas.


Angela Merkel só deixou a liderança da CDU em Dezembro de 2018. Como tal, não deixa de surpreender como passe incólume nos desastres que afectam o partido recentemente, levantando a questão antes impensável, se presidirá à coligação governamental que as eleições de Setembro ditarem. Demasiados anos de poder nunca fazem bem a ninguém, pelo que poderá ser francamente positivo consideram-se alternativas de poder até às eleições. Algo a acompanhar e a discutir nos próximos meses.


2. Para desanuviar, a próxima edição do PT Post irá ter um dossier especial sobre vinhos. Nesta altura, seria comum os profissionais do sector encontraram-se em Düsseldorf para provar novas colheitas e planear um ano de actividade. É o segundo ano consecutivo em que tal não vai acontecer, pelo que nos lembrámos de convidar os nossos leitores a fazer uma viagem da Alemanha até Portugal com o mote da descoberta de vinhos e das histórias que têm para contar.


Tiago Pinto Pais


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