O liberalismo é o único sistema que deu provas de se conseguir reformar-se a si mesmo, tendo a capacidade de trabalhar a crítica, incorporá-la, e seguir em frente, resiliente. São 300 anos a dar provas de conseguir evoluir e de ser o sistema que nos permitiu o desenvolvimento económico e social que hoje conhecemos. É perfeito? Não, de todo. É susceptível à crítica? É, e tal não é nada pouco. É um garante da liberdade, que se pode provar mais efémera do que se crê. Não é só a história que o conta, somos todos os que vivemos o pós Guerra Fria que o observamos enquanto o “Fim da História” de Fukuyama se prova, há vários anos, uma utopia (e que falta faz a esperança e a alegria que continha). Hoje o Ocidente coloca-se em risco, recusa-se a ir a jogo e parece ter vergonha de si mesmo. Falham-nos as lideranças, que nas últimas duas décadas se acanharam e não são capazes de se orgulhar nos seus valores.
A polarização de ideias, a divisão entre classes, presentemente não sob a óptica da divisão de trabalho de Marx, mas antes de acordo com a participação ou não numa causa que é tida como a verdade última e que não admite crítica, aliena os que lhes poderiam ser simpáticos se não partilharem o extremismo da crença. Caramba, custa muito observar que não saibamos melhor, que não nos recordemos dos resultados que a separação de pessoas entre “nós” e os “outros”, o esvair da individualidade numa massa indistinta que clama o caminho da glória e da resolução de todos os males, trouxe ao mundo: é assim que se abrem as portas aos regimes autoritários. Não tarda até que a eliminação da liberdade de pensamento surja na forma de imposição sobre o que é permitido pensar e acreditar, impondo a autocensura como forma de vida, ditando a impossibilidade do erro e da redenção através da criação do homem perfeito, definido por alguns. Só se pode temer os resultados.
O debate só pode ser feito com disponibilidade para ouvir o outro e, no processo, desenvolver compreensão mútua e sensibilizar-se para os fundamentos que sustentam o pensamento de cada. Não é admissível, nem sequer perdoável, por exemplo, querer julgar-se o passado à luz do conhecimento presente. O correcto será reconhecer o privilégio de sabermos melhor e, como resultado, podermos reflectir e ensinar (não doutrinar, note-se) melhor: isso não se faz através da destruição, faz-se pela informação. Apagar o passado é perder-se a base comparativa para aquilo que cremos ser melhor; quem poderá, depois, sustentar o racional da realidade presente.
O caminho em frente fez-se com a procura pragmática de soluções para os problemas. Sim, é necessário reconhecê-los, mas não requerer a catarse só alimentará a dispersão e alienação de muitos, em detrimento do seu envolvimento na implementação das soluções. A Economist fez capa da sua última edição com referência ao debate sobre racismo, que pautou o último mês, referindo-se à “nova ideologia da raça e o que está de errado com isso”. A cobertura não incide, talvez como vários antecipem ao ditarem a revista como estandarte liberal sem se darem ao trabalho de a ler, num debate ideológico: foca-se na discussão de soluções, argumentando, baseada em números concretos, que a iniquidade e as desigualdades são fruto das condições sociais e não da cor da pele das pessoas na sociedade. Como tal, há um arsenal de políticas públicas que podem ser seguidas, muitos a um custo menor do que se possa imaginar, para endereçar o problema na raiz. Defendo que esta linha argumentativa é capaz de sensibilizar muitos mais para que se possam resolver os males que afectam as nossas sociedades, muito mais do que tentar encaixar os seus membros em dicotomias simplistas de isto ou o seu oposto.
Hoje é a raça. Amanhã é a religião. No dia seguinte será a nação. Haverá sempre algo para nos dividir. Para estas férias, o que posso desejar é um regresso às origens do liberalismo, a sua redescoberta, a compreensão do seu significado e o abandono do recurso ao simplismo do “neoliberalismo”: o amor à liberdade.
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