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O último policial político de Miguel Szymanski está nas bancas

Cristina Dangerfield



O Grande Pagode é o segundo livro do género policial de Miguel Szymanski. O livro foi lançado pelo autor no Facebook no início de Julho passado, com o jornalista Paulo Dentinho, antigo director de informação da RTP, e com Amaia Iglesias, a representante da editora Suma de Letras, que publica este livro e que tem a chancela do grupo editorial Penguin Random House. Esta obra de ficção tem como pano de fundo as negociatas chinesas em Portugal.


O Grande Pagode aproveita toda a liberdade que a ficção permite para levar os seus leitores pelos meandros das negociatas chinesas em Portugal facilitadas pelos seus fantoches locais. Como tudo isto funciona, como se tece a teia até os colaboradores nestes esquemas não terem como se libertar, como se afasta aqueles que ficam incomodados com a rudeza dos métodos, mas que nada teriam contra meios mais suaves e que os expusessem menos, até àqueles que começando como incorruptíveis são chantageados até cederem, ou agredidos para deixar marcas e se lhes incutir receios e medo, e mesmo outros, que por estarem no sítio errado na altura errada, ou não cederem às pressões, ou se tornarem testemunhas perigosas, desaparecem em circunstâncias misteriosas, por vezes, sem deixar rasto. Este é o Grande Polvo português, como afirma Miguel Szymanski, que usando a ficção para nos alertar para o que está acontecer no nosso país, acaba por ser ultrapassado pela própria realidade da corrupção e dos esquemas pouco transparentes das negociatas de bastidores em Portugal.

“Quando um país está à venda, uma vida pouco vale” é o subtítulo do livro O Grande Pagode. Marcelo Silva, o destemido jornalista, volta a investigar. Aterra em Lisboa vindo de Berlim, onde estivera por um tempo para se fazer esquecer, depois de ter investigado os escândalos da banca em Portugal.


Considerado “persona non grata” pelos poderes obscuros do Grande Polvo, escapara por pouco a uma tentativa de assassinato no primeiro policial de Miguel Szymanski, Ouro, Prata e Silva, em que o autor, com mestria, nos revela as manigâncias de banqueiros que levaram à falência de um banco português, afectando os titulares de depósitos e impactando todo o sistema bancário português. Todos conhecemos o nome de Ricardo Salgado, ex-administrador do BES, entre outros. Marcelo Silva é o herói desta “fita”, que com as suas fraquezas se torna num anti-herói que nos é muito próximo, porque humanizado, e que é uma personagem típica do policial “noir”. E digo “fita”, um termo antigo para filmes que eram guardados em fita, porque os policiais de Miguel Szymanski são tão visuais que nos sentimos dentro de um filme que corre a uma velocidade inebriante.


Em o Grande Pagode, embrenhamo-nos numa trama de investigações embaladas de ficção. Através de Marcelo Silva, uma personagem bastante fora da caixa, vamos recordando episódios que foram sendo noticiados nos telejornais, jornais e revistas da nação ao longo de várias décadas. E, para quem não tenha estado atento, ou para os distraídos, ou para os esquecidos, é uma oportunidade de passar em revista todas estas notícias num enredo policial. Não há como escapar, como não ver, com a vantagem de as notícias nos serem servidas em forma de entretenimento. Contudo, todas estas notícias e “fait divers” foram públicos, só que estes se foram diluindo no meio de outros assuntos, igualmente escabrosos e em constante mudança nos noticiários diários, ou faltou-lhes o contexto mais geral, sempre por falta de tempo (quiçá derivado de interesses económicos, afinal os media são empresas comerciais com compromissos a cumprir), porque as notícias passam rápidas e num ápice desaparecem da ribalta. É este contexto mais vasto que o jornalista nos dá nesta sua obra (o que já tinha iniciado no seu primeiro policial). Este livro funciona bem como uma receita secreta contra o esquecimento e a banalização. Porque não é banal o escândalo do BES, nem o nosso país estar a ser vendido aos chineses ao desbarato, entre outras “nebulosidades e instransparências” correntes.


O género do policial político com personagens portuguesas não tem tradição em Portugal. Poderíamos afirmar que o autor está a desbravar caminho. Todos os dados estavam lançados, mas ninguém lhes tinha pegado, não se unira os pontos. A capacidade de Miguel, como luso-alemão, que lhe conferiu este privilégio especial e específico de nascer e viver “a cavalo entre duas culturas” e poder analisá-las com distanciamento e menor emoção, de fora para dentro e de dentro para fora, mudando a perspectiva de análise, de que resulta uma certa versatilidade, culmina num tipo de análise e observações caracterizado por um estilo inovador e refrescante. E, por vezes, a realidade consegue ultrapassar a ficção. Se o autor decalcasse as suas personagens da realidade, os leitores iriam percepcioná-las como inverosímeis, disse Miguel ao Portugal Post, na entrevista desta edição.

Existe uma imensidão de material, de matéria-prima, para este género, o policial político, que pode ser aproveitado, e foi isso que Miguel Szymanski fez. O que o destaca no panorama português, incluindo no seio dos comentadores políticos, é esta capacidade de aproveitar o que já existe, e saber olhar e analisá-lo de perspectivas e sob ângulos diferentes. Como diz o autor, o facto de ter sido jornalista económico também o formatou, e daí o rigor subjacente às informações que nos dá na sua ficção, o que é pouco comum entre os autores portugueses.


O Grande Pagode é um policial político que funciona a vários níveis cognitivos. Na sua dimensão social, alerta para a situação da Margem Sul, e das pessoas que lá vivem, um mundo à parte e muito negligenciado pelo poder político durante décadas. Uma zona à priori pouco apelativa, portuária e fabril, mas com umas vistas fabulosas para Lisboa, o estuário do Tejo e o Mar da Palha a perder de vista. Em qualquer parte do mundo, e às portas de uma capital, esta seria há muito tempo uma zona “prime” em termos de mercado imobiliário. E é aí que se desenrola grande parte da história, ou aí se reconduz, como se fosse um cais em que todas as personagens embarcam e desembarcam, com algumas digressões por Lisboa e Sintra, e arredores.


O recente interesse pela Margem Sul, particularmente pelos seus bairros sociais, que a Presidente da Câmara de Almada, Inês Medeiros, afirmou terem vistas fabulosas e que em qualquer altura iria para lá viver, no que foi uma “gaffe” política descomunal que se tornou viral, veio reforçar a boa escolha da geografia do enredo do livro de Miguel Szymanski. As suas observações acutilantes como um bisturi, que vamos interiorizando durante a leitura da obra, o estilo, a linguagem, o ritmo constante e sem quebras, revelam um grande amadurecimento ao nível da escrita do autor e um salto qualitativo considerável em termos de mestria deste género literário.


O bairro do Torrão, no livro – Terroso (na Margem Sul do Tejo), é o local escolhido pelo jornalista para melhor ilustrar a luta renhida e sem tréguas pela primeira posição como investidor no nosso país, que no livro ainda decorre entre chineses e americanos mas que, porém, na realidade a China já ganhou. Vindo muito a propósito citar as recentes afirmações do Embaixador americano em Portugal, no contexto de uma entrevista ao jornal Expresso, de que o nosso país tem de escolher entre eles, os americanos, e os chineses. A cena do livro em que a líder do bairro guarda envelopes com dinheiro de ambos os interessados é absolutamente hilariante e ilustra com acerto perfeito o estado das coisas.


O livro contém muitos pormenores interessantes e, até, alguns humorísticos, mas não vos vou contar a história toda, mas apenas levantar o véu. Há também um livro dentro de um livro, histórias de amor, encontros e desencontros, interesses económicos e as respectivas máfias, e um sabor muito amargo sobre o que poderá acontecer se a exploração do lítio, gás e petróleo obtiver o avale do governo. Fica no ar a questão se o nosso país irá escapar ileso, ou não, ao capitalismo desenfreado de um país comunista, ou se o interior e a orla costeira (plataforma continental) vão ser esventrados para servir interesses económicos externos e de cujas receitas pouco desfrutaremos. Portugal está a ser palco de uma colisão frontal de interesses económicos de agentes e actores internacionais.


Miguel Szymanski é o um autor com muitas referências literárias e um ávido leitor, o que é patente em O Grande Pagode. Ele usa com mestria referências clássicas do género e cria as suas referências e o seu estilo próprios num livro sem tempos mortos e que reflecte a luminosidade do estuário do Tejo e um modo de estar muito português. Este é um livro a não perder.



Biografia de Miguel Sysmanski:

Cronista no Portugal Post, jornalista em Portugal e na Alemanha, comentador político na RTP e autor de vários livros. Escreve em português e em alemão, e actualmente vive em Portugal.


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