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Não querem saber


Gonçalo Galvão Gomes

Cabeça de lista ao círculo Europa nas eleições legislativas de 2015 e 2019


Passou pouco mais de um ano desde que elegemos os deputados, que hoje compõem a Assembleia da República. Muita coisa mudou no país e no mundo deste então. Poucas pessoas imaginariam há um ano, que estaríamos, nesta altura, a viver em confinamento, a usar máscaras em quase todo o lado, que os comércios estariam fechados ou com acesso bastante limitado, que muitos direitos fundamentais e essenciais, para a vida democrática estariam suprimidos. Ninguém poderia imaginar, que tivéssemos que nos distanciar uns dos outros e, que evitássemos abraços e beijos, quando, para nós portugueses, o carinho emocional está umbilicalmente ligado ao carinho físico. Não poder abraçar os pais ou os avós, tem uma dimensão que ultrapassa em muito, o ato em si.


Para quem vive fora de Portugal, toda esta incerteza ganha uma expressão ainda mais significativa. Por um lado, viajar tornou-se muito mais complicado, por outro, há um receio de ajudar a propagar o vírus, ainda para mais, porque muitos dos nossos familiares, pertencem a grupos de risco, o que os deixa ainda mais vulneráveis.


Há um ano era quase impossível adivinhar o que estava para vir, mas há seis meses era mais que previsível. Já tínhamos experienciado as consequências do vírus, já sabíamos que era facilmente transmissível por via aérea, sabíamos também, que o distanciamento social era a melhor forma de manter as pessoas seguras. Há seis meses, eu e milhões de pessoas por todo o mundo, já trabalhávamos a partir de casa, alguns países já tinham limitado os serviços públicos, escolas já tinha sido encerradas, um pouco por todo o mundo.


Em outubro do ano passado, elegemos os deputados parlamentares por voto postal. Recebemos nas nossas casas, um envelope com o boletim de voto e pudemos com relativa facilidade*, eleger os nossos representantes. Nesta eleição, teremos que nos deslocar presencialmente aos consulados e muita gente terá que fazer centenas de quilómetros para votar.


Os consulados não são, na sua maioria, espaços de grande dimensão e por isso, antevê-se um processo que, com as normas de distanciamento social, poderá demorar mais tempo do que o habitual. A juntar-se a isto, temos que ter em conta, que janeiro é o pico do inverno em muitos dos países, onde as comunidades portuguesas estão mais concentradas e não menos importante, muitos desses países têm restrições de mobilidade por causa do Covid, que poderão condicionar severamente ou até mesmo impedir, as deslocações aos consulados.


A receita terá o resultado que toda a gente sabe: um recorde de abstenção por parte dos portugueses a viver fora de Portugal, onde esta já é, tradicionalmente elevada.


No parlamento nacional temos 230 deputados, 4 dos quais eleitos pelos círculos fora de Portugal. Temos um ministro responsável pelos negócios estrangeiros e uma secretária de estado das comunidades. Temos também um presidente da República, que até se vai recandidatar na eleição de janeiro.


Mas, infelizmente, não tivemos representantes da democracia à altura, que quisessem mudar o sistema de voto na eleição presidencial (o que andamos a pedir, bem antes da pandemia). Bastaria a iniciativa de um dos maiores grupos parlamentares, ou a influência de um ator político como o ministro, a secretária de estado ou o próprio presidente da República. Com isso, o parlamento teria aprovado a legislação necessária e quem vive fora de Portugal, poderia exercer o seu direito de voto em segurança. A falta de tempo não é desculpa, a pandemia não começou no mês passado.


Não o fizeram e é fácil perceber porquê. -Não querem saber.


Da mesma forma que não querem saber, que existe um problema sério relacionado com o ensino de português no estrangeiro, restringindo a aprendizagem do idioma, às gerações que vão crescer sem qualquer relação afetiva com o país, muito por consequência disso.


Pela mesma razão que não querem saber, que as marcações de visitas aos consulados, têm meses de atraso e que ter um documento de identificação expirado no estrangeiro, tem implicações que não se resolvem com as emissões portarias, que as autoridades dos outros países não conseguem (ou querem) sequer ler.

E por tantas outras razões, cujo espaço editorial, não me permite detalhar.


Há, no entanto, circunstâncias em que os políticos se lembram das comunidades.


No momento em que escrevo este texto, a diretora do serviço de estrangeiros e fronteiras – SEF, Cristina Gatões, estará prestes ser substituída. Em causa, estará a forma, alegadamente criminosa, como foi tratado o cidadão ucraniano Ihor Homenyuk, que terá sido torturado por elementos do SEF (admitido pela própria diretora do serviço), até acabar por perder a vida. Segundo o Diário de Notícias, “Eduardo Cabrita pretende nomear Cristina Gatões para oficial de ligação para a imigração em Londres, um cargo que será criado para apoiar a comunidade portuguesa no Reino Unido no processo do Brexit”. Longe da vista, longe do coração, um castigo que terá de salário, cerca de 12 000 euros mensais de remuneração. A rima tem a sua piada, mas o conteúdo não. Posições ligadas às comunidades, a serem tratadas como compensação ou recompensa política, é um habitué que já se tornou um hábito infeliz.


Abriu no final do mês passado, em Alfândega da Fé, um centro de Atendimento Consular para o Luxemburgo. Este serviço permitirá reduzir os atrasos e as limitações, melhorando, significativamente o tempo de espera e, consequentemente, a qualidade do serviço.


Ainda segundo o comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros, o objetivo (de criar o centro em Alfândega da Fé) é “valorizar o interior do país”, tendo em vista “um processo de descentralização administrativa”.


Acho a medida excecional e aplaudo a iniciativa. Primeiro que tudo, este serviço é necessário e vai dar qualidade de vida aos portugueses do Luxemburgo, para além disso, sou fã confesso da descentralização e da valorização do interior.


Não posso, no entanto, deixar de reparar na coincidência de que, num país com 308 concelhos, o local escolhido para instalar este centro, é precisamente o concelho onde a secretária de Estados das Comunidades, Berta Nunes, foi presidente durante uma década, mais concretamente, até ao momento que assumiu a presente função.


Coincidência, conhecimento aprofundado da região o que facilitou o processo de escolha, carinho pelo concelho onde trabalhou e foi presidente, ou acautelar uma futura eleição autárquica pós-secretaria de estado. Seja qual for a razão, isto devia ter sido evitado, porque deixa dúvidas, se calhar até ilegítimas, mas que põem em causa mais uma escolha do governo, ainda para mais uma medida que merece o nosso reconhecimento.

Portugal assim não se cumpre.


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