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Não nos levam a sério


Termino o ano arreliado. E não, não é à conta da Covid-19 (embora também um pouco, talvez, - lá chegaremos, se o espaço o permitir). E a minha arrelia, arrelia-me, porque nunca me quis tornar num colunista amargurado. Mas, nesta hora, sou-o. E, anuncia-se, sê-lo-ei não só hoje, como nos próximos meses (isto promete).


A amargura que partilho resulta, desta vez, directamente do desempenho do meu papel de editor deste jornal. Este título de imprensa, como é bem sabido dos nossos leitores, tem periodicidade mensal, com publicação ao dia 15 do mês. Não é difícil de se depreender que esta edição de 15 de Dezembro terá sido pensada para circular até 14 de Janeiro, com publicação da próxima a 15 de Janeiro. A 24 de Janeiro tem lugar a primeira volta da eleição para a presidência da república, que abrirá caminho para a escolha do mais alto magistrado da nação. Assim sendo, fosse essa eleição coberta na edição de Janeiro, pouco mais restaria do que uma semana, correndo tudo bem com a distribuição postal, para que quem nos lê se pudesse informar sobre quem se candidata, podendo ponderar devidamente em que deverá depositar o seu voto. Consequentemente, e atendendo à preocupação deste jornal em informar cuidadamente, a cobertura da eleição deveria ter lugar nesta edição de Dezembro.


Não tem, ou pelo menos não tem como antecipado. E, tomando em conta o que foi o contacto com as campanhas (ou ensaios de campanha, em mais casos do que se imagina, e de quem muito menos se adivinharia), há que deixar, desde já, e independentemente de simpatias ou antipatias ideológicas, um rasgado elogio à campanha de Tiago Mayan Gonçalves, candidato apoiado pela Iniciativa Liberal. Para além de ter um website (imagine-se a inovação!) que sumariza quem é o candidato e apresenta as grandes linhas do seu posicionamento e motivação para a sua candidatura (extraordinário!), no qual se encontra o contacto da assessoria de imprensa explicitamente indicado (loucura!), respondeu prontamente a um pedido de entrevista e, à parte a anuência comunicada, foi capaz de respeitar o prazo acordado para cumprir (revolucionário!).


O elogio acima, que foi impossível não acompanhar com algum comentário irónico, que sugere uma epopeia respeitante à navegação por entre campanhas presidenciais, não é só resultado do mérito de quem o recebe, é, também, resultado de um cenário triste em seu redor. Os três candidatos melhor posicionados nas sondagens não têm website de campanha. Destes três, só um tem indicação de um número de telefone de contacto, que, surpreendentemente, é o da assessoria de imprensa. Ou seja, para se chegar ao contacto com as campanhas dos outros dois, é precisar conhecer-se quem saiba quem poderá estar envolvido nelas, ou quem talvez saiba quem saiba (e por aí adiante), e ter a sorte de apanhar tal pessoa na disposição de lhe facilitar o contacto das mesmas. É obra e parece querer provar que em Portugal o activo de maior valor é mesmo um telemóvel recheado de bons contactos. No que respeita aos demais candidatos, ou o feedback quanto à disponibilidade não chegou ou tardou, ou a comunicação em torno de deadlines sugeridos sumiu com o tempo.


No final, só se pode concluir que não nos levam a sério. Não só a nós, portugueses residentes no estrangeiro – disso as orelhas moucas de quem de direito quanto à nossa participação na eleição num Inverno em contexto de pandemia já nos tinham lembrado no final do Verão e no início deste Outono; e não é o desentupimento recente, súbito, dos canais auditivos (é vê-los em intervenções parlamentares e comunicados de imprensa, Senhor!) que os salva, até porque, surpresa das surpresas, já não é susceptível de produzir resultados práticos com eficiência e eficácia. No fundo, a todos nós, portugueses, independentemente da geografia em que vivemos. Esta parece, afinal, ser uma eleição a brincar para a maioria, em que apresentar-se aos eleitores é uma chatice.


Em final de ano

Este ano não elejo uma personalidade do ano. Deixo apenas a sugestão para que cada um encontre um minuto para pensar no legado daqueles que, por uma outra razão, nos deixaram. Esta edição lembra aquele que Eduardo Salavisa nos deixou – é um privilégio podermos partilhar uma última conversa com o desenhador com os nossos leitores.

Votos de uma quadra festiva feliz, com saúde.


P.S. Caso as campanhas de candidatos presidenciais que não responderam em tempo oportuno para esta edição o façam até ao final do ano, a edição de Janeiro do PT Post sairá mais cedo. Independentemente do juízo de valor que partilhei neste editorial, o dever de informar estará sempre em primeiro lugar.



Tiago Pinto Pais


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