Cristina Dangerfield
Maria Emília Pais de Sá faleceu em Vale de Madeiros no passado dia 3 de Junho deste ano. O funeral teve lugar no dia seguinte, às 14.30h, no Cemitério de Canas de Senhorim. O neto, António Eduardo de Sá, disse ao jornal que após a morte da avó, a mulher de Armando Rodrigues de Sá, fica para a família “a memória de uma Mulher forte, que desde 1930 soube atravessar todas as crises sociais com carinho e dedicação à família e ao seu grande Amor de uma vida, o Avô Armando. O seu bom humor foi transbordante e a sua memória sempre fresca, reproduzindo todas as histórias, desde a mais remota infância, uma autêntica enciclopédia. Chegou a hora da partida, aceitou com serenidade a finitude da sua passagem na terra. Fica a boa memória da sua vida, repleta de bons e menos bons momentos, mas sempre vividos com elevação espiritual.”
Quem foi Maria Emília Pais de Sá?
Maria Emília Pais de Sá foi a mulher de Armando Rodrigues de Sá, um português que, como muitos outros, deixou a sua aldeia para ir trabalhar no estrangeiro. Emigrou como homem desconhecido e a caminho do desconhecido lá foi à procura de uma vida melhor. Quando chegou a Colónia-Deutz, ao fim de uma longa viagem de comboio, foi recebido por uma multidão e muita pompa e circunstância, o que o deixou muito surpreendido.
“O seu nome ouvira-se por toda a estação através dos alti-falantes. […] O milionésimo Gastarbeiter da Alemanha, (que descera do comboio) animado pelos seus colegas, curvado sob o peso da mala e de um saco, e ainda sem saber da sua sorte, avança receoso pelo meio da multidão. […] Um senhor de fato escuro, Dr. Manfred Dunkel, empresário de Colónia e presidente da Federação das Associações do Patronato alemão, pede silêncio e transmite os agradecimentos dos empresários alemães pela chegada daquele que seria o trabalhador estrangeiro - Um milhão. Armando recebe uma motorizada Zündapp, um certificado e um ramo de cravos brancos e posa para uma das mais conhecidas e icónicas fotografias da História da Imigração alemã. […]”.
Armando Rodrigues de Sá viveu na Alemanha apenas de 1964 a 1970. Nunca levou a família para aquele país. Naquele último ano, voltou para Vale de Madeiros, após lhe ter sido diagnosticada uma doença terminal. Faleceu com 53 anos de idade. Em 2014, ano em que se celebrou o cinquentenário da chegada à Alemanha de Armando, António de Sá, o seu neto, refez aquela longa viagem, que outrora o seu pai fizera no Sud-Expresso até Paris, seguindo viagem para o centro da Europa num outro comboio, até Colónia-Deutz.
Nesta aventura menos incerta e mais célere do que a do seu avô, foi acompanhado pela minha co-autora, a historiadora alemã, Svenja Länder. Esta viagem foi o ponto de partida para o nosso livro “A Vida Numa Mala”, em que contamos várias histórias da imigração para a Alemanha, com personagens de vários países e nacionalidades, dos anos 60 a 2015. Armando Rodrigues de Sá ocupa lugar de destaque, como personagem principal da obra, sendo também a sua história e viagem o leitmotiv do nosso livro de homenagem à emigração.
Foi neste contexto, que tanto Svenja como eu visitámos Vale de Madeiros, embora em alturas diferentes, e tivemos o privilégio de conhecer toda a família de Armando Rodrigues de Sá.
Foi em Maio de 2015 que viajei para Vale de Madeiros e aí passei uma fim-de-semana com esta família, que me acolheu com imensa hospitalidade. Esta estadia e contacto com a família do milionésimo trabalhador estrangeiro na Alemanha deu origem a uma reportagem escrita e fotográfica, a qual consta do nosso livro, já mencionado.
E lembro alguns dos momentos que me marcaram e que tão bem descrevem o carácter e a vida de Emília, recentemente falecida, e Armando.
“Armando Rodrigues de Sá é uma presença que se procura nas paisagens, nos sítios por onde passou, nos vestígios que deixou na vida dos seus familiares”. […] Na igreja matriz de Canas de Senhorim, casaram Armando e Emília, esta com quinze anos.[…] O namoro de Armando com Emília não era bem visto pela família dela, à qual chamavam os alemães, por serem altos. […] Emília conta que se encontravam na fonte, onde ia buscar água, os seus olhares falavam mais do que as palavras, e que escreviam cartas de amor que escondiam na fonte, debaixo de uma pedra, nas árvores, nos campos. O pai encontrou uma dessas cartas escondida entre as batatas que forravam o sótão da casa onde viviam e que ali estavam a secar. Emília conta que o pai tirou o cinto e lhe deu com o fecho nas costas de tal maneira que até a pele veio agarrada. […] E, visivelmente emocionada, lembra o grande amor da sua vida, que a morte tão cedo lhe roubou.”
Emília era uma grande contadora de história e sentados no café de Rosa, a filha de Armando, divertimo-nos muito com as advinhas daquela grande Mulher, que se ria de eu não estar à altura da desgarrada, naquele magnífico dia de primavera. A matriarca da família de Sá a bater-me aos pontos até eu me dar por vencida.
“Verde foi o meu nascimento e de luto me vesti para dar luz ao mundo mil tormentos padeci!” “O que é, diga lá, Menina!”
“Não sei.” Riem, deliciados com a minha ignorância. “É a azeitona, Menina!”
E sucederam-se as advinhas, que fizeram justiça à incrível memória de Emília, e à sua vontade férrea de viver, apesar de já nessa altura ter muita dificuldade em andar e sofrer de problemas de visão. Sem dúvida, como escreveu o seu neto, António de Sá, ela foi uma grande Mulher.
Enquanto “o seu homem” esteve na Alemanha, Emília preocupava-se porque ele não sabia cozinhar, nem tratar dele, provavelmente, teria frio, e como iria ele às compras sem falar aquela língua?
“Ainda hoje os olhos se lhe humedecem, quando fala do marido falecido prematuramente e das cartas que escreviam um ao outro”, escrevi na altura sobre esse momento emocional que vivenciei, enquanto estive com ela.
“Na estação de Canas de Senhorim, Emília esperava por Armando para lhe dizer o derradeiro adeus […]. Não fiques triste, eu não fico na Alemanha. Vou trabalhar, ganhar dinheiro para a família e depois volto para casa. E vou escrever-te muitas cartas!” Cartas essas que se perderam numa mudança de casa da filha, Rosa.
“Pendurado na janela da carruagem, (Armando) acenava um adeus à mulher, que ia ficando cada vez mais pequena, até ser um ponto negro a desaparecer na paisagem corrida. O comboio afastara-se pelas serras.”
No passado dia 4 de Junho, realizou-se o funeral de Emília no cemitério de Canas de Senhorim, onde se encontra a campa de Armando Rodrigues de Sá e, também, as de outros familiares. Finalmente, e ao fim de muitos anos, privada que foi do seu grande Amor, esta Mulher corajosa, junta-se àquele que tão cedo a deixara.
Paz à sua Alma e as nossas sentidas condolências a toda a Família de Maria Emília Pais de Sá, mulher de Armando Rodrigues de Sá, o milionésimo Gastarbeiter da Alemanha, a figura mais conhecida da imigração estrangeira daquele país e que tem lugar no coração dos alemães. Oxalá fosse Armando conhecido em Portugal como o é na Alemanha, há várias décadas.
Comments