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Liberdade em tempos de Covid


Gonçalo Galvão Gomes

Cabeça de lista ao círculo Europa nas eleições legislativas de 2015 e 2019


“Confinamento” arrisca-se a ser a palavra do ano, embora tenha concorrentes de peso com vocábulos que nos habituamos a usar com regularidade (máscara, distância, vírus,…), a palavra confinamento remete-nos para mais do que o seu significado nominal e há todo um debate político e filosófico à sua volta.


Confinar alguém é limitar a sua liberdade, restringir a sua capacidade de tomar decisões, suprimir o seu livre arbítrio. Podemos então inferir que todas as formas de confinamento são um atentado à liberdade? Não, porque existem circunstâncias em que a restrição de liberdade é indispensável para a própria liberdade. Por exemplo, confinar a população dentro de casa durante um ataque aéreo (à semelhança do que aconteceu durante a Segunda Guerra mundial), é uma restrição de liberdade, que a maioria ou mesmo a totalidade da população concordará que é legitima.


Mas então porquê que o confinamento do século XXI levanta tantas objeções


Ninguém com o mínimo de razoabilidade, dirá que salvar vidas não é importante e todas* as pessoas, mesmo as mais egoístas, estarão dispostas a sacrificar alguns direitos, se isso tiver como consequência um aumento de vidas salvas.


*Existem alguns grupos que decidi deliberadamente retirar desta consideração, mas deixemos os defensores dos movimentos anti vacinas e da terra plana para outra crónica.


Vejamos então (apenas) três exemplos concretos de situações que aconteceram durante o confinamento.

Nos Estados Unidos da América, Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes, uma das figuras mais importantes do partido Democrata e acérrima defensora do confinamento, foi apanhada dentro de um cabeleireiro sem máscara e sem respeitar as medidas de segurança e distanciamento. Isto aconteceu no estado da Califórnia, onde este tipo de negócio ainda não estava sequer autorizado a funcionar em espaços fechados. Portanto, a mesma Nancy Pelosi que é determinada na defesa das restrições em nome da segurança coletiva e individual no combate ao Covid19, que exige comércios e escolas fechadas, age como se as regras não se aplicassem a si. Pior ainda, quando a polémica apareceu, responsabilizou as funcionárias do salão pelo incidente.


É a única pessoa na política a pensar desta forma? Sabemos bem que não.



“Covidiotas” , foi o nome que Saskia Esken, a co-lider do SPD, o Partido Social-Democrata da Alemanha, chamou aos manifestantes que desfilaram no final de Agosto em Berlim, para protestar contra as restrições impostas pelo Covid. O mesmo protesto já tinha acontecido no início do mesmo mês e tem motivado críticas de vários quadrantes políticos, chegando inclusivamente a tribunal, uma providência cautelar para anular a sua realização. Em causa está a ausência de medidas preventivas, nomeadamente a distância de segurança e uso de máscaras.


É um facto que as manifestações são incompatíveis com as medidas de segurança conhecidas e que a sua existência pode ser um foco de propagação do vírus, mas nenhum destes políticos apareceu para criticar da mesma forma, quando na mesma cidade e em pleno pico da pandemia, milhares de pessoas se juntaram para protestar após a morte de George Floyd.


Há portanto protestos do bem e do mal, protestos que não deviam existir por causa dos riscos relacionados com a pandemia e até merecem providências cautelares e protestos em que o vírus não se aproxima. Mesma cidade, mesmos políticos, critérios diferentes.


Não há festa como aquela, e até mereceu destaque no website do New York Times . A Festa do Avante tem sido a notícia dos últimos tempos. A Direção Geral de Saúde esconde-se na hora de dar explicações, o governo diz que não pode impedir, o PCP fala em perseguição. Não se percebe muito bem, mas toda a gente desconfia: a Festa do Avante terá sido a troca tácita do governo pela oposição fofinha do PCP e o amestramento dos sindicatos afetos à CGTP. Nesta jogada política, todos ganham a curto prazo e todos perdem a longo. O PS está na posição privilegiada de mesmo não tendo maioria absoluta, quase não tem oposição (e quase não tem debates no parlamento), ainda para mais numa altura em que Portugal vai receber milhões de fundos da União Europeia. Por outro lado, esta falta de coerência é o combustível que irá alimentar movimentos populistas com potencial de crescimento para danificar o PS, num futuro mais próximo do que se imagina. O PCP pode realizar a festa como habitualmente e não faltará trabalho em 2020 aos camaradas da família comunista, mas os próximos resultados eleitorais traduzirão muito do descontentamento gerado pela situação. A realização do Avante é uma terrível jogada política, mas é mais do que tudo uma terrível injustiça face a todos os outros eventos culturais. É difícil explicar às pessoas do Alto Minho, que o festival Paredes de Coura não se pode realizar devido ao Covid, pondo em causa toda a economia de uma região e milhares de postos de trabalho, enquanto um outro festival acontece pacificamente na Quinta da Atalaia. Será que Marx dá imunidade contra o vírus?


Estes três casos apenas exemplificam o que de pior foi feito pelos estados e pelos políticos, no combate ao Covid19


Cabe aos governos zelar pelo bem-estar das suas populações e com o nosso voto, damos o mandato para que estes possam tomar decisões, mesmo as mais difíceis, que salvaguardem a saúde e bem-estar da comunidade.

Mas ninguém dá ao governo o mandato para decidir de forma incoerente, que festivais, concertos e eventos culturais podemos ou não frequentar, que manifestações podemos ou não estar presentes e que cores políticas somos livres de apoiar durante uma pandemia.


Muitos dos “covidiotas” são de facto covidiotas, mas muitos outros, são pessoas que viram as suas vidas arruinadas pelas restrições e se cansaram de ver as políticas de combate ao Covid19, serem usadas como peça no xadrez político.


A estas pessoas, os políticos deviam, no mínimo, trata-las com respeito, porque mesmo em tempos de confinamento, são elas que lhes pagam o salário.


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