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“Estares num país estrangeiro, conseguires fazer música e seres recebido tão bem é altamente”

Atualizado: 17 de set. de 2020

Entrevista | Buda Peste, vocalista das bandas de Metal Sudden Decay e Fragments


TPP


Buda Peste, nome artístico de João Silva, é vocalista de duas bandas de Metal baseadas em Berlim. A propósito do lançamento de uma nova música, quisemos conhecer a experiência deste português e conhecer um pouco mais a cena de Metal na capital alemã.



Sudden Decay é uma banda de Nu Metal/Modern Metal - letras político-social, religião e de auto análise psicológica. Membros : Tyr Dawn , Stelle Steel, Coby Rush , Buda Peste e Benny



Portugal Post Este mês foi lançado o single Broken Chains, o primeiro tema da banda de metal Fragments que conta contigo como vocalista. Conta-nos um pouco da história por trás deste projecto.

Buda Peste É um projecto novo, Fragments [fragmentos] é um nome simples, mas é também engraçado, porque os elementos da banda vêm todos de sítios diferentes: dois israelitas, um mexicano, um colombiano e um português. Começou com o baterista, o Adan, ainda quanto vivia no México, que queria criar a banda de sonho dele, é ele quem escreve as letras e compõe a música quase toda.

E eu andava à procura de banda, queria formar uma banda de Death Metal e precisava de gente para isso. Estou muito ligado ao pessoal todo pela internet, pelas redes sociais, e com a outra banda que tenho – Sudden Decay – fui conhecendo várias pessoas neste meio, que acaba por ser pequenino. Falei com o Adan, de quem eu já era fã – ele é mesmo muito bom – mas a oportunidade de trabalharmos juntos não surgiu logo, especialmente por indisponibilidade de tempo dele. Um mês depois voltou ao contacto comigo.

PTP Mas, então, antes de cantares com Fragments, já estavas envolvido com outra banda!

BP Sim, eu estava em Berlim já há algum tempo, só a trabalhar, e precisava de voltar à música. Mas não queria voltar a fazer música como o fazia antes: antigamente tocava em bares e sítios afins, mais na onda Pop-Rock, ou mesmo Pop. Agora queria fazer algo que me desse liberdade total, em que pudesse fazer música não para ganhar dinheiro, mas só mesmo pelo gosto de fazer música.

PTP Esse percurso sugere que sempre gostaste de cantar. Como surgiu o teu interesse pela música?

BP Sempre cantei desde miúdo, cantava na escola e chegou a haver até uma senhora que me foi buscar para me ensaiar quando eu era miúdo, Depois, na adolescência, pedi aos meus pais para ir para o conservatório, onde estudei primeiro guitarra clássica, porque como era muito novo não podia entrar para canto: as cordas vocais não estavam ainda inteiramente desenvolvidas. Mais tarde, quando fui morar para o Algarve, comecei a ter canto e a cantar com bandas. Comecei a conhecer pessoal e meter-me em bandas de rock. Queria seguir e dar um passo à frente, ganhar mais técnica, até para aguentar concertos que eram muito grandes. Fui estudar canto lírico. E a partir dai andei a dar concertos pelo Algarve com bandas de covers, a ganhar dinheiro com isso, mas aquilo não me satisfazia porque só fazia covers… Era engraçado, as pessoas gostam de ti porque tu cantas bem e cantas músicas que elas querem ouvir, mas o meu interesse mesmo era o metal e o metal não podia ser tocado nesse tipo de eventos.


PTP De onde vem essa paixão pelo metal?

BP Apareceu na adolescência, já ouvia coisas em casa, algum metal que o meu irmão mais velho ouvia. Começas a ouvir Nirvana, depois queres ouvir algo mais pesado e, na altura, surgiram as bandas de Nu Metal, que é metal mais comercial, tipo Linkin Park, entre outras assim. A partir do momento em que comecei conhecer isso, queria mais. Tinha amigos com pais emigrados e que iam a França e traziam CDs. Começámos a ouvir o que traziam e a partir daí ouvi quase exclusivamente só Nu Metal e algum metal mais comercial. Mais tarde entrei para coisas mais pesadas, comecei a ter interesse em bandas de Death Meta, como Sepultura e Cataclysml. Ouvia muito e tentava sempre imitar o que eles faziam, particularmente o gutural. Ia para a escola com os phones e a pensar como é que aquilo se fazia, não é uma coisa natural e pensava que não fazia aquilo bem.


PTP No teu percurso formativo como foi estares a estudar canto lírico e a ouvir metal?

BP Complementam-se, porque é música. O canto lírico ajudou-me bastante para o gutural, porque tens de ter a respiração controlada, não podes ter movimentos em falso: a partir do momento em que gritas mesmo a sério e fazes uma performance de grito, que é o que a gente faz, rebenta… Tens de controlar o diafragma, a respiração, a entrada de ar, como libertas o ar para não afectar as cordas vocais… Tudo isso, no meu caso, vem da música clássica. A minha técnica toda de canto, de gritaria, de metal extremo, vem do canto lírico.

PTP Foi o metal que te trouxe até Berlim? Ou outra oportunidade?

BP A decisão surgiu na altura da crise [período de assistência financeira a Portugal]. Sempre disse que não sairia de Portugal, era muito nacionalista, queria estar lá, é o país era meu, nunca vou sair! Sempre tive trabalho, só que chegou uma fase em que me eram bloqueadas as portas na evolução no trabalho. Trabalhava em vendas e a partir do momento em que chegava a possibilidade de dar o passo para a gestão, eram-me cortadas as pernas por mais bons números que fizesse.

PTP Crês que isso era resultado de quê?

BP Há muitos favores em jogo, tens de ser amigo de X, ou filho de X para teres um emprego assim. Ou conhecer fulano tal, dentro da empresa tens de lamber botas… E eu não tenho muito esse feito, não dava! Fazia o meu trabalhinho, como deve ser, mas o chefe era sempre o mesmo e nem sempre era a pessoa mais capaz.... Comecei a ver isso e, nessa altura, também todos os meus amigos começaram a sair de Portugal à conta da crise. Foi então que reconsiderei a sugestão da minha namorada de nos mudarmos para Berlim e acabei por aceitá-la.

PTP Porquê Berlim? Já conhecias?

BP A minha namorada tinha família em Berlim, podiam ajudar-nos na altura. Já tinha vindo cá e adorado isto: ir ao supermercado e ver gente tatuada até à testa a trabalhar era algo espetacular, pensava “olha lá para ele, tem trabalho, altamente!”

PTP Sentes que em Portugal há discriminação das pessoas que optam por um estilo diferente?

BP No meu último trabalho em Portugal tinha de ter a barba aparada e acertada, não podia usar piercings. Na altura não tinha tatuagens, nunca me tatuei por causa de considerações quanto às possibilidades de ter trabalho. Só me tatuei já tarde, comecei já nos meus 30 anos.

PTP Mas sempre tinhas querido?

BP Sempre tive piercings e tal, mas sempre me adaptei para os trabalhos que tinha, porque me era imposto. O cabelo sempre o cortei porque me era imposto.

PTP Como é que sentes em Berlim, poderes fazer essas coisas, é a descoberta de uma nova liberdade?

BP É completamente diferente, é uma forma de expressão: é o mesmo que dizerem que não podes falar, não podes dar a tua opinião a partir do momento em que te negam essa possibilidade. Aqui tenho essa liberdade, vou a uma entrevista de emprego e nem sequer me perguntam nada a respeito do meu estilo. Quando comecei a trabalhar cá tinha uma chefe a quem perguntei se podia pintar as unhas. Ela respondeu que podia, mas estupefacta por eu sequer perguntar! Essa liberdade, fazer o que queres, não quer dizer que as pessoas não tenham opiniões, mas não te ostracizam por causa disso. A liberdade é fantástica, não é?

PTP Achas que a realidade portuguesa possa mudar?

BP Acho que já mudou muito nos últimos anos, porque agora quando vou lá vejo pessoal com barba grande, com as tatuagens e tudo o mais. Também muito por causa do futebol, dos jogadores terem tatuagens, ajudou a que entrasse mais na cultura popular.

PTP Qual a tua experiência de Berlim e da Alemanha?

BP Estou plenamente integrado. Aqui tive a possibilidade de fazer o que gosto, de ter sempre um trabalho estável. Desde que estou cá sempre tive emprego estável, também na área de vendas, e tenho vindo a subir no trabalho, comecei como vendedor normal e agora giro uma equipa.

PTP Que tal a experiência de encontrar trabalho. Foi fácil? Suponho que não soubesses alemão…

BP Quando me mudei para cá falava “zero” de alemão, estive três ou quatro meses até concluir o nível o A2 e, nessa altura, disse à minha namorada: quero arranjar emprego, porque o dinheiro que tinha juntado durante quase dois anos já está a acabar... Mas eu não sabia falar bem, falava de forma muito básica. Então, ensaiei com ela um texto a dizer assim “eu vi lá fora que estão a precisar de empregados”. E, conforme a resposta fosse sim ou não, tinha uma resposta preparada para os dois. “Posso deixar aqui o meu currículo de qualquer forma?”. Se eles falavam mais, eu aproveitava o facto de os alemães não serem muito expansivos na conversa para conseguir jogar com o pouco texto que sabia, deixava o currículo e seguia em frente. Imprimi 50 currículos, porque pensei que fosse mais difícil arranjar trabalho. Entreguei currículos apenas durante duas horas, porque entrei numa loja, um dos empregados gostou de mim, comunicou logo ao patrão e ligaram-me passados 15 minutos. Fiz o teste no dia a seguir e fiquei três anos e meios nessa empresa. Não gastei mais do que duas horas para encontrar trabalho, nem tive tempo de distribuir os currículos todos que tinha imprimido! E, mesmo assim, chamaram-me de mais empresas, acho que entreguei doze ou treze currículos, tive quatro contactos e pude escolher onde ficar. No emprego apreendi a fala melhor, também slang, e hoje em dia estou completamente integrado, embora com um sotaque sempre marcado. Integrado, sem dificuldades de comunicação e feliz.

PTP Como conciliastes os teus projectos musicais com a tua vida em Berlim?

BP Primeiro estive cá a arranjar emprego, conhecer a cidade, ter a casinha, ter as coisas orientadas - é sempre difícil ao início. Estava cá já há quase dois anos e estava a trabalhar, mas sentia a falta de alguma coisa. Só trabalhava, basicamente…. Saía, ia ver uns concertos de punk, de metal, comecei a ver o movimento, onde o pessoal parava, também a conhecer gente na loja onde trabalhava, clientes que eram músicos. Comecei a vê-los tocar, a cantar... e eu só queria saltar para o palco e tirar o microfone e cantar!

PTP O que achaste da cena de metal quando chegaste aqui? Como se compara com o que conhecias em Portugal?

BP A diferença é como eles aqui dizem, a cena em Berlim é “klein aber fein”. Tendo uma banda, é fácil arranjares espaços onde tocar, podes dar um concerto todas as semanas em Berlim! Não te é bloqueado o acesso, é muito simples. No Algarve, por exemplo, havia só dois a quatro espaços que fazem metal e rock, estava sempre a repetir os sítios.

PTP Berlim é klein… mas a Alemanha não é um grande mercado para o metal?

BP Sim, mas Berlim é tecno. A cena de metal está em vários sítios, por exemplo Leipzig, Dresden…

Mas há sempre muita coisa em Berlim. Vais a Friedrichshain e encontras vários bares de metal, várias venues que fazem concertos.

A partir do momento que comecei a conhecer pessoas começou a dar-me o bichinho da música outra vez... Disse à minha namorada que tinha de colocar um anúncio para formar uma banda, não estava à espera de me juntar a uma banda já formada, estava à espera de começar algo: não sabia muito bem como ia começar e não sabia se conseguiria fazer o que me estava a propor, se alguém ia achar piada… Entretanto contactei três ou quatro pessoas diferentes que estavam à procura de banda e que responderam ao anúncio que coloquei em vários grupos do Facebook, por exemplo ‘Metal Berlin’, ‘Musicians Berlin’.

Passado pouco tempo, os Sudden Decay chamaram-me, estavam à procura de um cantor, pediram que fizesse um vídeo, enviaram vídeos onde tocavam e mandaram-me três excertos de músicas. Escrevi logo umas letras, uma cena básica e, mesmo sem microfone, sem nada, cantei por cima, a fazer guturais e tudo o mai???: eles chamaram-me logo para ensaiar. Fiz o primeiro ensaio e gostaram. Em cada ensaio fui fazendo uma música. Eles estavam contentes, porque ainda não tinham tido um vocalista que tivesse tanta vontade de trabalhar e que aguentasse tanto tempo, o que é uma qualidade para quem canta este estilo de música… se não conseguires aguentar muito tempo significa que estás a fazer qualquer coisa mal.

As coisas começaram a correr, comecei a melhorar a técnica em termos de guturais, a explorar outros campos, mais agudos, mais graves…. Demoraram muito tempo para dizer que estava aceite na banda. Já estava há um mês com eles quando me integraram - disseram que estavam com medo que saísse, quiseram ver se continuava a aparecer. Hoje me dia continuamos a escrever e a dar concertos. Começámos há dois anos e meio a dar concertos e já demos mais de dez aqui na zona.

PTP Qual foi a experiência com o público e a reacção à música da banda?

BP Altamente, o pessoal gosta muito. Diz que temos muita energia. O pessoal aqui não e tão quente como em Portugal, não há tanta moche.... Comigo em palco, isso não acontece! Do princípio ao fim é a mexer, a música é simples, mas é bastante mexida, tem muita energia e é fácil de cantar, tem refrões mais melódicos. O público aceitou, e é fixe, é boa onda!

Fragments é uma banda de Death Metal -Letras de teor Político-social

Membros : Julian Osório, Adan Morales, Buda Peste, Michael Glucksmann e Liran Aloni


PTP E agora és também vocalista dos Fragments?

BP É um projecto paralelo, continuo com os Sudden Decay, estamos a gravar e a pôr coisas online, tínhamos concertos agora marcados para Setembro mas foram cancelados... Entretanto apresentámos um novo baixista há cerca de dois meses, o Benny, e estamos a tentar marcar as coisas para começar a dar concertos outra vez... Não sei quando será possível, não sei… Deram-nos agora a possibilidade de concertos online, mas tem de se pagar para tocar… tem de se alugar o espaço e as câmaras.. para mim não é o mais interessante. Mais interessante, agora, é estarmos a criar o laço com o baixista para que, quando chegarmos ao palco, façamos o que fazíamos antes, com um concerto bem organizado do princípio ao fim, sem tempo para respirar, tipo do princípio ao fim.

Fragments surge de querer fazer um projecto de Death Metal, mais pesado... Com Sudden Decay fazemos Nu / Modern Metal, mais comercial, as guitarras são mais simples, não tem tantos solos, tem às vezes partes com rap, com muita melodia na voz, é mais fácil de ouvir. Dentro desse género encontras bandas como Korn, Slipknot, Linkin Park, embora já num estilo já muito mais leve, Death Tones, entre outras.

Eu gosto muito de Thrash e de Death Metal, então queria fazer alguma coisa dentro dessas correntes.

PTP O que é que define essas correntes?

BP O Thrash é mais rápido, as bandas mais conhecidas dentro desse género são Metallica, por exemplo, os antigos Metallica dos anos 80, Megadeth, Anthrax, Slayer… eu gosto muito disso. Embora goste mais dum Skate Thrash mais alegre, mais mexido… Dentro do Death Metal tens, por exemplo, Sepultura. É mais pesado, a temática das letras também – a cena política está sempre um bocado presente e, no nosso caso, está sempre presente.

PTP Tanto esquerda como direita?

BP Tens normalmente mais esquerda, mas tens várias bandas de direita dentro do Metal.

Queria fazer uma cena mais pujante, mais rápida, mais técnica, com músicos mais técnicos. Encontrei o Adan, fiz a primeira audição e fiquei logo, juntei-me à banda em Janeiro e deram-me três músicas. Entretanto, já escrevi uma música nova.

Vamos lançar um EP, mas por enquanto estamos a fazer as coisas de forma parcelar, de uma forma mais do it yourself: estivemos a gravar tudo em casa, cada um com os seus instrumentos, a fazer a edição também em casa. Quando ouves está tudo perfeitinho, mas notas que é tipo maquete, é uma cena crua. Estamos a organizar as cosias de maneira a que possamos pôr uma música online quase mensalmente.

PTP Começaram com o single Broken Chains?

BP Foi a primeira comigo como vocalista.

PTP Estas músicas em que participas sobre o que é que incidem?

BP Sempre material político, basicamente. Em Broken Chains aborda-se quebrar as correntes e libertar-nos, estás a ver? O Scanvagers, o próximo tema que iremos lançar, é sobre seres preso dentro do sistema político e dentro de sistemas sociais. Tem sido esta a temática da banda até agora. Quando eu escrevo, é muito mais sentimental, “eu contra mim”.

Como nós temos multiculturalidade dentro da banda, muito provavelmente vamos um dia fragmentar-nos mais e entrar por sonoridades mais dentro da música latina, dentro da música israelita, misturar e fundir…

PTP O que é que poderá ser uma influência de música latina no Metal?

BP Podes ter guitarras mais latinas integradas, como flamencos, em termos de voz, podes ter influências da música popular portuguesa ou até fado: quando eu canto “limpo” tenho muitas vezes uma abordagem que é muito ligada a essas influências, algo que comecei a fazer sem querer, nem sequer sou fã de fado. Nota-se que há ali cultura, nota-se na forma como a letra é falada, que aquela pessoa tem certo background. E, dentro do Metal, mesmo a bateria pode ir buscar coisas em termos rítmicos à música latina.

PTP Tens algum objectivo concreto com a tua música, algo que gostasses de alcançar?

BP O objectivo é documentar e dar concertos. Acho que com Fragments há possibilidade de chegar a vir fazer tours europeias e tudo o mais.

PTP O que é que mais gostas nos concertos, que parecem ser uma parte importante para ti?

BP É a energia, o palco… O facto de teres o microfone na mão e as pessoas fazerem o que tu queres é magico, é giro… O Metal é diferente, tem aquela moche, aquela zaragata toda. Há uma reacção à música que tu fazes. é fantástico: é uma parte de ti, é altamente, curto bué . Estares num país estrangeiro, conseguires fazer música, um tipo de arte, e seres recebido tão bem é altamente, é bué fixe!


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