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Episódio da História de Portugal contado de uma forma palerma e sem um pingo de objectividad

Carta aberta do Pai Natal, um tal de Nicolau.



João Pedro Santos

Bem sei, bem sei que acabaram de ler o título e já estão a pensar que este espaço é dedicado à História de Portugal e aos seus distintos intervenientes porém deixem-me rematar já com esta invectiva apropriando-me da minha portugalidade ancestral.


Pois que na verdade o que vos venho aqui dizer é um dado pouco conhecido mas na realidade eu, Nicolau, possuo uma costela lusitana por parte da minha mãe que era Transmontana, da aldeia de Varge. Aliás se repararem na minha valente barbança percebe-se bem que isto é pêlo de Trás-os-Montes. Não só a minha mãezinha como também a minha avó eram donas de um invejável bigode, mais até do que meu pai, que era galego, vejam lá.


Ora o que se passou foi que quando ela era catraia enamorou-se por um mancebo loiro da Galiza, todo janota, todo pimpão, e vai daí mudou-se com ele para lá da fronteira, mais para Norte, para a cidade de Lugo. Por isso é que as pessoas quando dizem que eu venho do Norte dá ideia que sou originalmente de lá de cima de muito longe, daqueles países escandinavos onde nesta época é sempre de noite, mesmo quando é de dia e uma pessoa já não sabe se ao acordar toma o pequeno almoço ou avança logo para o jantar. Eu cá acho que deve ser um desgoverno para o estômago passar o inverno assim, sempre na escuridão de uma refeição a horas marcadas pelos avanços e recuos da claridade. Enfim cada uma saberá da sua vida mas eu cá nessas aventuranças não me apanham.


Bom, mas o que eu venho aqui contar é que a moda de eu ser de lá daquelas bandas pegou aqui há uns anos quando caiu um nevão valente ali na Serra de Montesinho onde eu me encontrava a passar o Natal com uns amigos. O meu amigo Libório que é todo dado às fotografias, tirou-me um retrato todo entupido de neve, até a barba que era preta parecia que era branca. Para completar o ramalhete estava eu todo encasacado com um sobretudo vermelho que na altura estava na moda por motivos da Lady Diana e o Elton John usarem muito nas aparições públicas, festivais e certames de celebridades. Ainda lá tenho em casa uma revista da Hola com eles os dois muito galhofeiros numa estância de férias em St. Moritz ou Biarritz ou lá onde era, um daqueles lugares todos finos que têm o hábito de terminar em “itz” por motivo de serem finos, ou vice-versa.


Não sei como, esse retrato viralizou, que aqui há uns anos significava ser visto por para aí 12 ou 15 indivíduos mas a verdade é que as pessoas começaram a dizer que eu devia abraçar uma carreira de entertainer da época natalícia, porque tinha um ar festeiro, apresentava um guarda-roupa colorido e era gordo, o que no Natal é sempre uma mais-valia. Ninguém se identifica com alguém todo fit de abdominais rijos que nem carne de Chanfana quando na verdade o que se passa durante esta temporada é o alegre comer e beber até encher o saco do estômago até à garganta. Uma salada de orégãos, uma barra de sementes goji ou um batido de abacate é coisa que funciona mais lá para a primavera quando as peles começarem a aparecer por baixo das roupas.

Eu na altura andava a trabalhar a recibos verdes numa empresa de transportes de encomendas por correio que não me convém dizer aqui o nome para não estar a fazer publicidade de borla porque nestes tempos tem de se ir buscar dinheiro a todo lado que se puder e da forma que se conseguir. Digo apenas que começava com um D e terminava em HL, cada um agora que tire as suas conclusões se forem capazes de lá chegar.


Enfim, visto já ter conhecimento do negócio, decidi estabelecer-me por conta própria como entregador oficial de presentes de Natal.


Vocês nem sabem.... O negócio expandiu-se de tal forma em tão pouco tempo que não tarda um fósforo já tinha uma marca de refrigerantes americana associada à minha empresa de entregas aos domicílio e tudo. Como já usava vermelho na farda coube que nem uma luva de coca-cola, se é que me estou a fazer entender. E com esta frase já pingaram mais uns quantos cobres aqui para o bolso do vosso anafado Nicolau. Pimbas!

Tive até de contratar empregados que, com o avançar dos tempos, já não são empregados, agora dão pelo nome de colaboradores que está mais de acordo com os valores sociais que uma empresa deve apresentar. Li isto num folheto de uma Central Sindical e até achei graça. As pessoas acham que os meus colaboradores são duendes e eu não contradigo a ideia porque dá um ar pitoresco e fofo ao negócio mas na verdade são anões com barbas postiças.


Os anões têm uma grande vantagem em relação aos duendes e às pessoas mais crescidas. No que toca aos primeiros, porque existem. Quanto aos últimos, porque comem menos o que ao final do mês ainda faz uma diferença valente no orçamento da firma, e depois cabem em tudo o que é chaminés para finalizar a entrega do produto. Eu com esta pança já me vejo à rasca para passar pelo vão de uma porta, quanto mais enfiar-me numa chaminé. Pois, não sei se já vos disse mas as entregas são feitas pela chaminé. A moda pegou por causa da Literatura aqui há uns anos, acho que foi o Dickens ou assim, e agora as pessoas parece que se acostumaram à ideia. Receber presentes de Natal com um anão a tocar à campaínha não tem o mesmo impacto, até porque o anão não chega à campaínha.


Quanto à questão das renas, é pá isso já foi chão que deu uvas, agora usamos daquelas carrinhas eléctricas que são super econónimas e silenciosas. Gastamos pouquíssimo nas viagens, poupamos imenso em fardos de feno e ração sem, no entanto, se perder o factor surpresa da empreitada. Temos é de andar sempre à coca de tomadas para carregar a bateria das viaturas. Ainda assim, compensa.

Bom meus caros conterrâneos, a escrita já vai avançada. Resta despedir-me e desejar-vos um óptimo e santo Natal cheio daquilo que mais desejam e vos traz felicidade. Eu cá não tenho mãos a medir neste mês de Dezembro mas é mesmo assim. A sorte de uns é o trabalho de outros. Em Janeiro logo descanso. Este ano em Varge deve continuar a haver a Festa dos Caretos, digo eu. Assim como assim já estão mascarados. Um grande abraço e até para o ano.

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