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Direito a férias à sombra do novo coronavírus / Que esperar da Corona-Warn-App?

Abilio Ferreira

Chegada a tradicional época de férias de verão, acumulam-se as dúvidas e a insegurança. Reina a incerteza e surgem inúmeras perguntas: é seguro viajar para fora da Alemanha? As regras agora em vigor sofrerão entretanto alterações que irão afetar o regresso? Como reagir se aparecer um surto imprevisto da pandemia da COVID-19 na região escolhida para férias? Já estamos perante uma segunda vaga da pandemia?


Apesar de tudo, vou procurar responder a algumas das questões que surgem no âmbito das repercussões da COVID-19 na atividade laboral.



Pode a entidade patronal querer saber para onde vão os colaboradores passar férias?


De forma a proteger os restantes trabalhadores, reconhece-se ao empregador um legítimo interesse em pretender ser informado se os seus colaboradores tencionam viajar para uma zona de risco ou se já aí permaneceram. Uma pergunta nesse sentido é considerada admissível desde que não vise saber qual o destino concreto, mas apenas se o trabalhador tenciona viajar para uma zona de risco ou se já aí permaneceu.



Há direito ao vencimento quando os trabalhadores são obrigados a entrar em quarentena após regressarem de uma zona de risco?


De acordo com as normas vigentes nos diversos Estados Federados, as pessoas que se desloquem para zonas de risco estão sujeitas a quarentena obrigatória imediatamente após o regresso.

Para avaliar a questão do pagamento salarial há que distinguir entre estas duas situações:

  • Tendo a zona de destino sido declarada de risco já durante a sua permanência, o trabalhador não pode ser culpabilizado pela nova situação. Vai ter de observar quarentena após o regresso de férias e, sendo declarado incapacitado para o trabalho devido à COVID-19, vai ter direito a continuar a receber o salário de acordo com as regras habituais. Estando sob quarentena, mas sem incapacidade para o trabalho, tem direito a uma indemnização pela perda salarial nos termos do § 56 da Lei de Proteção contra Infeções (Infektionsschutzgesetz - IfSG), paga por intermédio do empregador.

  • Contudo, se a área de destino já estava classificado como zona de risco antes de iniciar a viagem, era previsível de antemão para o trabalhador que teria de se sujeitar a quarentena após o regresso a casa. Nesse caso, podem não se aplicar os direitos anteriormente referidos, uma vez que ele próprio pode ser considerado culpado pela perda de salário por violar os seus próprios interesses. É o que determina o § 254 do Código Civil Alemão (Bürgerliches Gesetzbuch - BGB) que dispõe sobre a participação na culpa “Verschulden gegen sich selbst” e poderá traduzir-se por “culpa contra si mesmo”.


Por outro lado, há a considerar o § 616 BGB, que dispõe acerca de impedimentos temporários, determinando que o prestador de serviços (“trabalhador”) mantém o direito à remuneração quando, sem culpa sua, mas devido a um motivo relacionado com a sua pessoa, esteja impedido de exercer a sua atividade profissional, durante um período de tempo relativamente pouco relevante, de alguns dias. (Aplica-se, p. ex., quando um dos pais tem de ficar em casa para cuidar de um filho. No entanto, é de salientar que a possibilidade de recorrer a esta norma se encontra excluída em muitas relações de trabalho por disposições e contratos tarifários). A questão é saber se o trabalhador obrigado a cumprir quarentena após o regresso de férias é culpado por esse impedimento.


De acordo com os sindicatos alemães, a análise da situação deverá ser sempre feita numa base casuística, ponderando os interesses da vida privada do trabalhador na realização da viagem. Provavelmente será de negar a culpabilidade ao trabalhador, se tiver cumprido as medidas de distanciamento e higiene recomendadas contra a COVID-19 durante a sua estadia nas localidades escolhidas para férias.


Devido à ausência de jurisprudência sobre estas temáticas, as entidades empregadoras deveriam ter sempre em consideração as especificidades de cada caso. Não se considera justificável aplicar advertências ou promover despedimentos nestas circunstâncias, uma vez que os empregadores não têm o direito de proibir viagens privadas, mesmo que sejam para zonas de risco. Os trabalhadores não são obrigados a abster-se de viajar nos seus tempos livres, seja para for, só porque o patrão manifestou previamente o seu desagrado.



Existe direito ao vencimento se o trabalhador não regressar de férias atempadamente no contexto da pandemia do novo coronavírus?


Se o trabalhador não regressar de férias dentro do prazo previsto, p. ex., por não conseguir viajar na data marcada devido à suspensão das ligações aéreas ou a medidas de prevenção para o combate à pandemia no local de férias, o empregador pode ser obrigado a continuar a pagar o salário por um período relativamente curto de acordo com o § 616 BGB, desde que as restrições de viajar não fossem previsíveis para o trabalhador. Se tiver viajado para uma zona de risco, conhecendo previamente os possíveis perigos, poderá não ter direito a essa remuneração.


O Instituto Robert Koch, que aconselha o Governo nas questões de saúde pública, disponibiliza uma lista continuamente atualizada das regiões de “risco” através deste link.


Podem os patrões reduzir o período de férias a quem está de “Kurzarbeit”?

Diversas entidades patronais são de opinião que podem reduzir o período de férias aos trabalhadores registados em horário de trabalho reduzido (“Kurzarbeit”). Alegam que esses trabalhadores já dispõem de tempo livre e, além disso, baseiam-se em acórdãos pronunciados pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

A Confederação dos Sindicatos Alemães (Deutscher Gewerkschaftsbund - DGB) e os diversos sindicatos têm uma opinião contrária pelos seguintes motivos:

  • A argumentação e princípios gerais constantes daqueles acórdãos não se aplicam a casos relacionados com o instrumento de “Kurzarbeit” no âmbito da situação conjuntural associada ao novo coronavírus.

  • A Lei Federal de Férias (Bundesurlaubsgesetz) não prevê a redução do direito a férias a quem se encontra em “Kurzarbeit”.

  • Não existe qualquer jurisprudência do Tribunal Federal do Trabalho (“Bundesarbeitsgericht”) nesse sentido.

  • No sistema de trabalho a tempo parcial (“Teilzeitarbeit”) o trabalhador pode dispor do tempo livre, ao contrário do que acontece com “Kurzarbeit”, que pode ser dado como terminado a curto prazo, p. ex., se à empresa tiverem chegado novas encomendas.

  • O trabalhador em “Kurzarbeit” pode ter obrigações a cumprir perante o Centro de Emprego durante o período para o qual é recompensado com o subsídio parcial de desemprego.


A redução do tempo de trabalho não pode ser equiparada a período de férias. As férias servem para fortalecer a saúde, destinam-se a proporcionar ao trabalhador a recuperação física e psíquica durante um período em que não tem que estar preocupado com o trabalho.




Que esperar da App Corona-Warn já operacional na Alemanha?


Esta aplicação oficial lançada pelo governo alemão em 16 de junho de 2020 permite o rastreio de contágios com a COVID-19, de forma a travar a propagação da pandemia quando os diversos estados federados procuram abrandar as medidas de restrição na atual fase de desconfinamento.


Segundo informam os responsáveis, trata-se de uma ferramenta de uso voluntário e que não armazena nem dados pessoais nem as coordenadas geográficas do utilizador. Utiliza o Bluetooth, uma tecnologia de comunicação sem fios de curto alcance instalada hoje em dia na generalidade dos aparelhos móveis. A aplicação permite aos utilizadores interessados serem alertados para casos de contacto próximo com infetados pelo novo coronavírus. Esses avisos não são transmitidos às autoridades de saúde.


A aplicação permite a quem recebe o alerta tomar a iniciativa de contactar o seu médico ou as autoridades de saúde para fazer voluntariamente um teste gratuito.


Embora o uso da aplicação seja voluntário, a Ministra Federal da Justiça mostrou-se preocupada com a possibilidade de surgirem desvantagens sociais para os cidadãos que se recusem a utilizar a aplicação. O acesso a lojas e restaurantes, por exemplo, não deve, em circunstância alguma, depender da utilização desta aplicação.


Também no mundo laboral surgem muitas questões relacionadas com esta ferramenta. As perguntas são muitas, mas as respostas nem sempre são concretas.



Recebi um alerta através da aplicação Corona Warn e já contactei as entidades de saúde. Estou à espera de fazer o teste. Posso entretanto ficar em casa? Quem me paga o salário durante esse período?


Segundo informação da DGB, falta uma disposição legal que regule claramente a questão do cumprimento das obrigações laborais nestas situações de alerta.


É controverso afirmar se neste caso estamos perante uma situação em que se justifique a falta ao trabalho por um motivo de impedimento inerente à própria pessoa, mediante a continuação do pagamento do salário por parte do empregador nos termos do já citado § 616 BGB.


Não apresentando nenhuns sintomas da COVID-19, o médico não lhe pode atestar a incapacidade devido a doença impeditiva da prestação de trabalho. Provavelmente também não se aplicarão ainda a este caso as normas da Lei de Proteção contra Infeções (Infektionsschutzgesetz) acionadas quando a quarentena é imposta pelos serviços administrativos de saúde.


Se faltar ao trabalho por sua mera iniciativa, corre o risco de ser culpabilizado por se recusar a trabalhar sem motivo justificado. Arrisca a perder o direito a receber o salário, a ser advertido pelo empregador e a ser despedido.


Neste momento, apenas existe certeza sobre a compensação pela perda do salário quando a quarentena ou o isolamento profilático são ordenados pelas autoridades.


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