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Da Rússia, sem amor


Conhece-se, sabe-se a geografia, mas vivê-la não deixa se ser uma experiência que pode causar surpresas. Não é muito difícil, olhando para um mapa, ver como Moscovo é geograficamente mais próximo de Berlim do que de Lisboa. Contudo, não me esqueço que esse facto só se tornou uma realidade pessoal quando me apercebi que da capital alemã até à capital russa são duas horas de voo. Não está em questão a proximidade cultural e, muito menos da vigência dos valores de uma democracia liberal. Mas este pequeno facto muda toda a experiência de como se viveu a aprendizagem da história europeia: para um português que cresça em Portugal, a Rússia é algo imensamente distante. Sabemo-la lá e conhecemos todas as ambições e guerras entre o centro da Europa e essa imensidão de país. Tê-la fisicamente mais perto, torna tudo mais compreensível e real.


Não é, pois, de estranhar que se acompanhe a Rússia, e o leste europeu em geral, de outra forma uma vez que se viva na Alemanha. E estes são dias que o lembram, afinal a poucos quilómetros de mim encontra-se Alexei Navalny, internado, desejando-se que a recuperar efectivamente do envenenamento recente com uma substância química da família Novichok, desenvolvida pela ex-União Soviética nos anos 70 e 80 e só acessível às mais altas esferas do Estado russo. Lembra-nos que ainda há heróis, como os há na Bieolorússia e por esse mundo fora, capazes de inspirar esperança sobre o mundo em que vivemos.


Por uma vez, parece haver menos hesitação, aliás, até convicção, na condenação da Alemanha a esta situação, que só pode orgulhar quem cá viva. Não que o mundo das relações externas não seja mais complexo do que o que possamos desejar, ditando compromissos e decisões mais ténues do que possamos almejar numa perspectiva dos valores que cremos deverem prevalecer. Mas, especialmente no caso alemão, os Russland-Versteher têm conseguido levar a melhor há décadas, contribuindo, a meu entender, para uma resposta da Alemanha e da União Europeia às repetidas violações do direito internacional e da total displicência quanto à liberdade e democracia. Custa relembrar que a integridade territorial da Ucrânia continua por respeitar e que a situação do Leste deste país continua sem solução. Não foi fácil, sabe-se impor sanções menos tímidas nos anos que se seguiram à anexação da Crimeia e do abate do voo MH17. Contudo, nada mudou.


É caso para dizer que amor com amor se deverá pagar. A desfaçatez russa deve ter uma resposta proporcional. E se sanções anteriores, e ainda vigentes, terão especialmente impacto no médio e longo prazo, há que pensar em algo que doa mais no presente. Que não se deixe o gasoduto Nordstream 2 entrar em operação, os custos dessa decisão não podem ser comparados com a afirmação sobre o que nos importa. Há momentos em que o pragmatismo tem de ser batido, e este é um desses casos. Há que fazer uma afirmação, forte. Jogar arrojadamente no plano económico poderá garantir a pujança que se exige num plano e para o qual uma resposta que extravasasse uma resposta no mesmo patamar seria irrazoável e inconcebível. Parece um risco minimamente limitado e, portanto, justifica-se fazer uso do instrumento. É, certamente, uma decisão que cabe à Alemanha como estado soberano, mas é uma decisão que impacta muito mais do que o plano interno e, como tal, se espera que seja guiada pelos princípios do que pelos interesses internos de uns quantos.


Com a vizinhança da Europa “em chamas”, como bem afirmou o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell ao Financial Times, confessando que “nos últimos dez meses, o nosso bairro foi envolvido por chamas, desde a Líbia à Bielorrússia e tudo ficou muito pior do que eu esperava”, exige-se uma resposta da União Europeia unida e convicta dos valores ocidentais que garantem sociedades mais livres. Se é certo que os focos de incêndio actuais são mais que muitos, a questão russa é claramente das mais preocupantes e, provavelmente, mais estrutural para um futuro menos tenso, se é que me posso permitir o eufemismo.


Tiago Pinto Pais


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