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Da leviandade


• Dediquei, recentemente, esta coluna às eleições para o Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP). O tema, que já havia sido pontualmente abordado, merecia o desenvolvimento de várias considerações. Jamais imaginei que, tão cedo, tivesse de voltar a abordar o tema da postergação contínua da realização do acto eleitoral que, recorde-se, deveria ter tido lugar em 2019. Se tal facto já só poderia ser considerado escandaloso em Abril, que dizer agora, em Julho, quando se avança que talvez, quem sabe, possa ocorrer em Março de 2022 – 2 anos e meio após o momento em que devia ter tido lugar. Em Abril dava-se a questão da realização desta eleição por terminada, faltando apenas determinar o dia na primeira quinzena de Novembro de 2021. A esta altura do campeonato, deveriam estar os candidatos a perfilar-se e a discutir ideias com aqueles que os elegem. Ingenuidade pura de quem acreditou em tal.


Esta é uma daquelas situações que gera uma dualidade de sentimentos perante Portugal. Por um lado, temos um sistema que reconhece, valoriza e dá voz àqueles que residem fora do território nacional. Por outro lado, desvaloriza-se esse mérito ao não levar a sério o funcionamento dos órgãos que o formam. Mais que isso, é absolutamente vergonhoso não se assumir frontalmente o adiamento contínuo das eleições. Este tem surgido sempre no meio de outras discussões e, nesta última vez, este órgão que comunicação social que se dedica a residentes no estrangeiro não teve outro contacto com o facto senão através de um parágrafo no meio de uma notícia da Lusa. O gabinete da Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas não se poupa a comunicados de imprensa sobre as actividades da governante, seja qual for a relevância que assumam. Mas quanto a um assunto da maior relevância para as comunidades, nem uma palavra.


Mais chocante ainda é, no meu entendimento, observar-se que o último adiantamento tente ser apresentado como resultado da satisfação de um requisito das comunidades, o da instituição do voto electrónico. A propósito de se querer avançar com um projecto piloto nesse âmbito, algo que se saúda, lida-se às três pancadas com uma eleição que deveria ser importante. Repito, como afirmado há meses atrás, que o mandato dos conselheiros possa ser formalmente válido, mas a legitimidade democrática do mesmo esvai-se com cada dia que passa sem a realização de eleições para um novo CCP. Com esta tremenda leviandade está a colocar-se em risco a seriedade e utilidade deste órgão, contribuindo para o descrédito absoluto, especialmente para todos aqueles que não seguem a política de comunidades quotidianamente. Não é assim que se garantirá o envolvimento e participação das comunidades nos assuntos que lhes dizem respeito, o que é francamente lamentável. O voto electrónico, sendo importante, nunca deveria ter como consequência mais um adiamento deste acto eleitoral.


• Neste Verão, não foram só governantes portugueses que se deixaram atacar pela leviandade. A gestão que a Alemanha fez da catalogação dos graus de risco respeitante à Covid-19 foi igualmente pouco reflectida, com um problema maior: deixar uma decisão que deveria ser científica ser influenciada pela política. Lamentavelmente, todas as conversas mantidas com quem esteve próximo do processo de decisão não permitem outra conclusão. Num momento em que há que lidar com o cepticismo de muitos cidadãos que não estão dispostos a vacinar-se, contribui-se para que se adensem dúvidas sobre como as decisões tomadas.


Garantir que o maior número de pessoas se deixa vacinar deveria ser a maior luta actual, afinal é a única estratégia que pode levar a que ultrapassemos a crise pandémica que já consumiu ano e meio das nossas vidas. A partir do momento em que se sujeita vacinados às mesmas regras que não vacinados, está a desincentivar-se um número de pessoas a hesitar ainda mais sobre deixar vacinar-se. Temos de ser pragmáticos, a instrumentalidade da vacina para um retomar de uma normalidade perdida nas nossas vidas, é determinante para o sucesso da campanha de vacinação. Colocar tal em risco através de decisões precipitadas, não claramente esclarecidas ou sustentadas, revertidas sob a mesma forma no espaço de uma semana, é um mau serviço para a nossa sociedade.



Tiago Pinto Pais


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