Não sei propriamente o que os portugueses fizeram para o merecer, mas o tempo passa e a classe política continua a viver o fetiche dos tabus. A criatividade falta e a paciência ainda mais. E enquanto o tempo que se esvai discute-se tudo, menos o que interessa: alimentam-se páginas de jornais, noticiários e espaços de comentário com a especulação sobre o tabu, que não o é assim tanto, mas também nunca o foi. Trata-se apenas uma artimanha recorrente e, pelos vistos, culturalmente aceite, que distrai das responsabilidades e da prestação de contas: enquanto se debate pela milionésima vez se o Presidente da República em funções se candidata, recandidata, ou coisa que o valha, não se assume e debate o que fez e muito menos o que quer fazer. O momento parece viver da vaidade egoísta do protagonista, que só pensa no resultado histórico e no poder que preservará. O que fazer com ele, logo se verá, afinal todos gostam do senhor e há sempre mais uma selfie para tirar.
Enquanto o país anda entretido nisto, entre a crise de saúde pública, o futebol e, claro, a campanha para as eleições nos Estados Unidos da América, parece que ninguém anda particularmente preocupado na organização das eleições presidenciais de Janeiro de 2021. E, especialmente, no que toca aos portugueses residentes no estrangeiro, se alguém anda preocupado e a diligenciar para que possam exercer o seu voto de forma segura e não acabarem mais uma vez acusados de serem os grandes culpados da abstenção, deverá andar a fazê-lo de mansinho, porque, até agora, pouco ou nada se viu ou ouviu. Escandalizamo-nos com o descaramento de Trump na demonização do voto por correio e dos esforços o viabilizar de forma expedita, naquilo que é resultado de uma estratégia em proveito próprio seja qual for o resultado das eleições. Simultaneamente, nem sequer se pensa se essa seria uma solução para garantir o acesso ao voto dos portugueses para a eleição do mais alto magistrado da nação num contexto de uma crise de saúde pública que não se antecipa resolvida antes do próximo Inverno. Há que recordar a idiossincrasia do voto dos portugueses residentes no estrangeiro nas diferentes eleições, que são um caso prático daquilo que não deve ser feito para promover a participação democrática: nas legislativas vota-se via postal, nas europeias e presidenciais vota-se presencialmente.
Sendo as próximas eleições presidenciais as primeiras que se seguem às legislativas de 2019, porque não estar já a avançar-se para o voto postal nas presidenciais, incorporando as lições do que correu menos bem no ano transacto? Tratando-se de uma lei da Assembleia da República, sabe-se que a tramitação é mais morosa… Se esta questão não parece sequer ter ainda virado assunto público, surge o receio de quando alguém se lembrar de endereçar o problema à última hora, à boa moda portuguesa, seja tarde de mais nem que seja para desenrascar. Qual o cenário que nos aguardará, então, em Janeiro? Filas infindáveis e espaços dos Consulados e Embaixadas de Portugal pelo mundo fora apinhados de pessoas, naquele que poderá ser um contributo irresponsável para a propagação de um vírus que trocou as voltas às nossas vidas? Ou andam os Consulados e Embaixadas a discutir com as autoridades locais a utilização de espaços com áreas mais generosas que permitam a agilização de uma eleição presidencial?
Provem-me errado e digam-me que os nossos representantes já têm tudo em marcha para uma eleição bem participada e segura para todos em Janeiro. Seria um caso para ficar feliz com o país e saudar a preocupação com o envolvimento de todos nas decisões que definem o seu rumo.
Tiago Pinto Pais
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