A família Alsakka deixou a Síria em 2015, e um negócio de mais de quatro décadas com dezenas de empregados, e abriu a primeira pastelaria em Berlim, na Alemanha, em 2016. Agora já tem três.
Lusa - Joana de Sousa Dias
Em 2017, pouco antes das eleições que dariam a Angela Merkel um quarto e último mandato, Sulaiman Alsakka, filho de um dos três irmãos proprietários, agradecia a oportunidade de uma nova vida à chanceler.
Agora, o idioma que aprendeu no “youtube” já é quase nativo, estuda na universidade e ajuda na pastelaria, a “Damaskus”, sem nunca esquecer o que ficou para trás. Uma história de sucesso, de uma família inteira que fugiu da guerra e encontrou refúgio na Europa.
“A chanceler atuou de duas maneiras distintas”, refere Andelka Krizanovic, da Pro Asyl, a maior associação de defesa da imigração da Alemanha, “ela mostrou humanidade, no entanto, apoiou políticas que impedem o direito legal de acesso ao asilo na Europa”.
Fundada em 1986, e com mais de 18 mil membros, a Pro Asyl receia que a Europa “caminhe para um futuro em que o direito de asilo seja permanentemente negado”.
Em 2015, sob o mote “Wir schaffen das” (nós conseguimos), Angela Merkel permitiu a entrada na Alemanha de cerca de um milhão de refugiados provenientes principalmente da Síria, Afeganistão e Iraque.
“A abertura de portas em 2015 foi uma ação humanitária que provavelmente evitou uma catástrofe na Hungria, onde estavam dezenas de milhares de pessoas em busca de asilo e proteção”, destacou Krizanovic à agência Lusa.
Mas a posição humanitária da chanceler, acrescenta, “esconde a perceção europeia de que Merkel contribuiu decisivamente para a política de encerramento da União Europeia (UE)”.
“As negociações da UE com a Turquia começaram ainda em 2015, transformando a Turquia no porteiro da Europa. Merkel iniciou as negociações com Erdogan (Recep Tayyip, Presidente turco). O resultado foi o acordo UE-Turquia, no qual se fechou o Mar Egeu aos refugiados a partir de 2016, e todos os que chegam são levados para campos nas ilhas gregas, nas condições que todos conhecemos”, lamenta, apontando o campo de Moria como um dos resultados deste acordo.
A abertura de portas, valeu a Merkel duras críticas internas, principalmente da ala mais conservadora da União Democrata Cristã (CDU), tal como deu espaço à extrema- direita e a partidos como a Alternativa para a Alemanha (AfD) de conquistarem os eleitores descontentes.
“Também na Alemanha, com a ajuda da grande coligação, a lei de asilo foi reforçada. O Pacote de Asilo II, que entrou em vigor em março de 2016, proíbe o reagrupamento familiar para os beneficiários de proteção subsidiada por dois anos. Para milhares de sírios, isso significa que não podem trazer os seus familiares que estão presos em campos à volta do país, ou na própria zona de guerra”, explicou Andelka Krizanovic.
Essa restrição ainda está em vigor e, desde agosto de 2018, recorda esta responsável da Pro Asyl, “existe uma cota mensal que determina quem tem permissão para entrar na Alemanha. Milhares de famílias permanecem separadas há anos”.
Em 2020, o número de refugiados a viver na Alemanha caiu pela primeira vez em nove anos, segundo números divulgados pelo Ministério do Interior, que no primeiro semestre do ano passado registou uma queda de 62.000 migrantes para um total de um milhão e 770 mil.
São mais os que conseguem encontrar emprego nos primeiros cinco anos, apesar de uma grande parte ser ainda trabalho precário, realizado mais por homens, que por mulheres.
“A política de refugiados alemã e europeia tem-se concentrado no isolamento e na discussão nos últimos anos. Vemos o direito de asilo em perigo, também por causa dos chamados Novos Pactos sobre Asilo e Migração, que estão em discussão em Bruxelas, e procuram limitar o acesso ao direito de asilo individual nas fronteiras externas europeias”, Andelka Krizanovic.
A Pro Asyl lamenta que 2015, “ano em que muitas pessoas foram acolhidas na Alemanha e na Europa, dificilmente se volte a repetir”.
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