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A mensagem é: regressem a Portugal!


Entrevista | Berta Nunes, Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas

O PT Post assinala o primeiro ano de mandato da Secretária de Estado com uma entrevista de fundo em que aborda todos os grandes temas que respeitam às comunidades portuguesas no estrangeiro


TPP


Nomeação

PT Post Teve um percurso político principalmente ligado à administração local e à vida política local e regional. Aquando da sua nomeação para SECP muitos questionaram se este percurso a tinha preparado para as funções que veio a assumir. Após um ano em funções, como olha para esse momento e como avalia os receios/críticas que alguns levantaram sobre a sua escolha para o cargo?


Berta Nunes Eu vi essas críticas com bastante naturalidade, porque compreendo que muitas pessoas, nas comunidades, pensem que se tiverem aqui alguém que tenha tido a experiência de ter vivido num país estrangeiro, embora estar numa comunidade na África do Sul não seja o mesmo que estar numa comunidade nos Estados Unidos ou na Alemanha, é natural que essa pessoa tenha um conhecimento maior, melhor e mais próximo de quais são as expectativas e os problemas das comunidades. Mas eu sei que é possível fazer um bom trabalho mesmo sem ter vindo das comunidades. Eu nunca fui emigrante, embora tenho migrado bastante no meu país: nasci em Santa Maria de Lamas, no concelho da Feira, distrito de Aveiro, depois fui viver para Grijó, concelho de Gaia, estudei no liceu de Gaia, depois fui viver para Espinho, que é uma cidade muito bonita perto do mar. Vivi lá vários anos e fazia todos os dias uma viajem de comboio para estudar na Universidade do Porto: medicina, no Hospital de São João. Depois de acabar o curso fui viver para o Porto, onde fiz o internato médico, e depois decidi ir para Alfândega de Fé, que é uma pequena vila em Trás-os-Montes, no interior, muito perto da fronteira. Posso dizer que tenho a experiência do desenraizamento e do que nós sentimos como sendo a nossa terra, as nossas raízes, que acho que é o que sentirão os emigrantes. Ademais, tendo sido médica de família durante vinte cinco anos, geri os centros de saúde do distrito de Bragança ao longo de cinco e fui presidente de câmara durante dez: tenho uma experiência política de muita proximidade com as pessoas e conheci muitas famílias de emigrantes. Ou seja, para mim, a emigração não era nada de novo e tanto não o era, que eu acompanhei sempre as políticas da Secretaria de Estado das Comunidades: fui a todos os encontros de investidores da diáspora, a minha câmara tinha um gabinete de apoio ao emigrante que era dos mais antigos… Por isso, está a ver, na verdade, não vim para aqui caída do céu, fui convidada e aceitei porque achei que podia contribuir. Acompanhei sempre as políticas da comunidade porque esta ligação às nossas comunidades é importante, especialmente nos distritos do interior.


Neste âmbito, gostaria de referir aquilo que estamos a fazer. Os emigrantes são dos principais investidores nas nossas comunidades: quando emigram e passam vários anos a trabalhar, a fazer poupanças e a enviar remessas, começam a investir. Na zona onde fui presidente de câmara, fazer a sua própria casa e/ou comprar terrenos para trabalhar na agricultura – trata-se de uma zona agrícola –, quando voltassem, era comum. Os emigrantes, penso eu, fruto da minha experiência com os que conheci, estavam sempre a pensar que haviam de voltar e, então, tentavam criar condições para voltar através do investimento. É por isso que uma das políticas que temos é o PNAID – Plano Nacional de Apoio ao Investimento da Diáspora.


PNAID

PTP O PNAID mereceu o seu empenho e foi algo que teve em vista desde o início do seu mandato. Ficou satisfeita com a legislação final? Consegue partilhar uma primeira avaliação da implementação deste quadro? Pretendendo ser uma simplificação legislativa e processual, não crê ser ainda maçudo e complexo para o investidor comum? Como avalia a coordenação com outras estruturas do Governo?


BN É uma primeira versão, que será avaliada dentro de dois anos, como consta aliás do próprio programa, que necessitará eventualmente de simplificação. Mas, para simplificar, precisamos, às vezes, de conhecer melhor o terreno que pisamos. Ou seja, temos de ter a noção do que é que, neste caso, este plano pode realmente oferecer e o que deve oferecer, para o irmos melhorando. Acho que este programa vai ser simplificado, certamente. Mas ele também é complexo porque abrange várias áreas governativas, abrange todas as medidas que existem em Portugal aos vários níveis, desde políticas na área do turismo, da justiça, da habitação, dos fundos comunitários, estudar no ensino superior… Muitas destas medidas já existiam, quisemos juntá-las e vamos comunicá-las num site que estamos a ultimar, que ficará alojado no portal das comunidades e onde vamos pôr toda a informação que consideremos útil e que iremos actualizando. Um investidor que queira investir e ver o que é que tem importância, que incentivos tem, etc., vai ter lá toda a informação. Isso em si já é uma mais-valia porque, senão, as pessoas que queriam investir no imobiliário, por exemplo, teriam de ir procurar o que é que há na área do imobiliário, queriam investir no turismo, teriam de procurar junto do turismo… Aqui vão ter um site no portal onde vão ter tudo, toda essa informação e os links para as várias informações. Vai simplificar muito, apesar de ser complexo.


Depois temos aqui duas medidas novas importantes, uma delas é a criação do estatuto de investidor da diáspora. Esse estatuto foi criado para o PNAID. Que vantagens tem? Neste momento já tem avisos dedicados, em que o estatuto de investidor da diáspora tem vantagens. Por exemplo, um aviso interessante foi dedicado à criação de emprego – Mais Coeso Emprego – e já fechou. Foram feitas 142 candidaturas para o programa, que conta com fundos comunitários, uma parte a fundo perdido, para fomentar a criação de emprego no interior – e isso é realmente importante – com condições muito vantajosas. Estas 142 candidaturas solicitaram um apoio de mais de 17 milhões de euros e teriam como objectivo criar mais de 363 novos postos de trabalho. A maior parte das candidaturas, 88, criavam postos de trabalho no interior. Por isso, estamos já a ver um exemplo de que, em muito pouco tempo e apesar da divulgação ainda ser limitada, já temos muitas pessoas, muitos investidores a utilizar este estatuto. Neste momento está aberto um outro aviso que é o Mais Coeso Inovação, em que 30% do bolo global está destinado a quem tiver o estatuto de investidor da diáspora.


Este estatuto ficou disponível no dia seguinte à aprovação do PNAID, em Agosto de 2018, e é muito fácil de obter, aliás de forma automática: as pessoas vão ao portal das comunidades, ao gabinete de apoio ao investidor, têm lá um link para o estatuto – https://bit.ly/3prvaBv –, preenchem o formulário e sai automaticamente uma declaração em como aquela pessoa é um investidor da diáspora. É evidente que sendo um formulário de autopreenchimento e saindo automaticamente, responsabiliza as pessoas que o pedem. Já temos mais de 80 pedidos, da Alemanha, China, Moçambique, Reino Unido, Países Baixos, Áustria, Bélgica, Canadá, Islândia, Peru, Andorra, Suíça. Ter o estatuto vai ter cada vez mais vantagens, porque nós estamos a trabalhar com os vários ministérios de forma a que com este estatuto possa haver outro tipo de benefícios, ou seja, não só benefícios no quadro destes programas financiados com fundos comunitários, mas também no turismo, na habitação… Quando se definirem políticas de apoio ao investimento nas várias áreas, agricultura por exemplo, ser investidor da diáspora terá um benefício adicional. É esse trabalho que estamos a fazer e vamos continuar a fazer.


Esta é uma novidade, que é no fundo um convite, um incentivo adicional para quem quiser vir investir em Portugal. E é também um sinal de que nós não estamos, de forma nenhuma, como em 2015, em que governo anterior, em 2013/14, dizia: ‘saiam da vossa zona de conforto e emigrem’. Não, nem isso é uma boa política! – porquê? Para já, nós como políticos devemos fazer tudo para que as pessoas tenham oportunidades na sua terra, sem restringir de forma nenhuma a mobilidade: há pessoas que podem ter oportunidades aqui, mas queiram fazer uma carreira internacional, queiram trabalhar num laboratório ou universidade noutro país, ou o que quer que seja. Mas a nossa política deve ser que se quiserem ficar em Portugal, devem ser criadas oportunidades para que os jovens possam ter o seu emprego e fiquem aqui. Por isso, políticas que vão nesse sentido são as políticas correctas, sem prejuízo de que hoje temos muito mais mobilidade, uma economia global e é natural que muitas pessoas escolham ter uma carreira internacional. Mas uma coisa é eu escolher, porque tenho uma oportunidade melhor, ou que me motiva e interessa, outra coisa é eu não querer emigrar, mas ter de emigrar porque não tenho oportunidades na minha terra. Por outro lado, Portugal tem um desafio demográfico importante, somos um país que está a envelhecer, cuja população activa está a diminuir: precisamos dos nossos jovens, de forma nenhuma tem interesse para o país que os nossos jovens saiam.

É por isso que nós temos além desta medida, mesmo dentro do PNAID, uma outra medida que já existia: o contingente dos 7% de acesso especial ao ensino superior português, para convidar os nossos jovens, emigrantes ou lusodescendentes, a vir estudar para Portugal. Portugal, neste momento, é um país que tem uma imagem internacional positiva. E porquê? É um país seguro, o terceiro mais seguro do mundo, que é considerado fortemente inovador, com um bom sistema de ensino superior, com laboratórios que estão a conseguir ligar-se à economia, às empresas, inovar e criar produtos com valor acrescentado e, assim, ajudar o desenvolvimento nacional. Depois, temos uma prioridade dada à educação e ao ensino: nós sabemos que a nossa possibilidade de sermos um país que cria riqueza e que dê um futuro a quem cá vive é muito pela qualificação das pessoas, não é pelos salários baixos, não é por desincentivar as pessoas a estudar – é exactamente o contrário! Portanto, esta medida do contingente de 7 % pretende atrair estudantes emigrantes ou lusodescendentes e seus familiares, mas integra-se numa política mais global do nosso ensino superior e de combate ao envelhecimento e diminuição da população activa.


Estas políticas todas fazem sentido e, no fundo, podemos dizer que a mensagem que, neste momento, queremos passar para as nossas comunidades é: regressem para investir, regressem se tiverem a oportunidade de encontrar aqui um emprego qualificado – por exemplo, os nossos jovens que saíram nessa altura da troika, regressem se realmente puderem. Damos apoio ao regresso, no transporte, na instalação, damos incentivos no pagamento de 50% de IRS durante 4 anos, o que pode ser bastante interessante: isso é o programa Regressar.

Berta Nunes, Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, no Palácio das Necessidades, em Lisboa.

Programa Regressar

PTP O programa regressar continua com implementação continuada? Está vivo e a gerar interesse?


BN Está a gerar bastante interesse e está neste momento a ser revisto de maneira a acrescentar outras medidas, que, entretanto, se identificaram através de pessoas que se foram candidatando. Por exemplo, numa primeira fase, o programa estava só destinado a pessoas que quisessem regressar e tivessem um contrato sem termo. Depois, numa revisão subsequente, foram também incluídas pessoas com contrato a termo. Agora, o que esta Secretaria de Estado está a propor, porque quem coordena o programa é o Ministério de Segurança Social, visto que muito destes financiamentos vêm do Instituto do Emprego e da Formação Profissional, é que também as pessoas que queiram vir e criar o seu próprio emprego – especialmente agora que estamos num contexto em que vai haver aumento do desemprego e vai demorar um pouco para que a economia recupere e crie empregos – sejam elegíveis para o programa. Regressar e criar emprego ou uma microempresa – não estamos a falar em regressar e criar uma empresa maior, porque para isso há a linha de crédito ‘Regressar’, que vai ser revista mas vai continuar a existir – é também muito importante e queremos que as pessoas façam isso. A mensagem é: regressem! Regressem para investir, para criar o seu próprio emprego, para trabalhar, para estudar – voltem para Portugal.


Ensino de Português no Estrangeiro

PTP Como é que avalia a rede de ensino de português no mundo? Que política gostaria de ver reformada ou implementada com o propósito de a fazer crescer e chegar a mais portugueses e outros interessados na aprendizagem da língua portuguesa? A propina ainda é uma questão?


BN Há aqui uma questão que tem sido bastante reivindicada que é acabar com a propina. O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros já disse que é para a eliminar logo que possível. Agora estamos outra vez numa situação um bocadinho delicada, mas logo que possível será retirada a propina: é mais uma medida de regressão de medidas tomadas na altura da Troika. Esta é uma delas, embora em troca da propina, o Camões dá gratuitamente os livros, podemos dizer entre aspas. Mas mantendo essa gratuidade dos manuais escolares, o Sr. Ministro já se comprometeu a retirar a propina logo que haja condições financeiras para isso.


Outra reivindicação é que precisamos de alargar a rede para dar mais oportunidade aos nossos jovens, filhos de emigrantes, para aprenderem português. Já demos um sinal este ano nesse sentido, porque já aumentámos dois horários, dois professores em França, que é um país onde ainda há procura que não está a ter reposta, e também mais um professor para o Reino Unido, porque foi criada este ano a escola bilingue no Reino Unido: começou em Setembro deste ano, com uma turma do pré-escolar e, depois, irá evoluindo e, por isso, vai ser uma escola com muitos alunos a aprender ao mesmo tempo português e inglês. Nós colocámos lá o professor, da parte da Inglaterra pôs-se lá outro professor, por isso vamos trabalhar para consolidar essa escola em conjunto. Estamos a dar aqui um sinal de que queremos alargar a rede.


Nós sabemos que com esta pandemia fizemos um esforço grande para que as pessoas continuassem a inscrever-se, apesar de ter havido dificuldades e continuar a haver em alguns países com situações de Covid complicadas. Por exemplo, agora, aí na Alemanha, em Hessen, passámos do presencial para o online, esperamos voltar ao presencial... Já tinha acontecido também na Suíça, que deixaram de estar em modo presencial durante um tempo e, agora, voltaram. O facto é que não houve uma diminuição das inscrições, mas é possível que haja desistências face a esta situação… Quando chegarmos ao final do ano lectivo, reavaliaremos melhor.


Temos planos de contingência em todas as escolas, estamos a dar formação a todos os professores para eles próprios poderem trabalhar melhor as tecnologias digitais e poderem ensinar à distância com qualidade. Também temos dado essa formação através do Camões, fizemos um protocolo com a Universidade Aberta para dar mais formação aos professores, porque sabemos que alguns, mais até do que os alunos, até por causa da idade, poderão ter dificuldades em ensinar à distância. Temos também previsto, nestas circunstâncias, aproveitar o Plano de Recuperação e Resiliência do governo português, que tem um eixo que é a


Temos planos de contingência em todas as escolas, estamos a dar formação a todos os professores para eles próprios poderem trabalhar melhor as tecnologias digitais e poderem ensinar à distância com qualidade.

transição digital, sob o qual uma das coisas que lá colocámos foi o novo modelo de gestão consular, que já iremos falar... Mas colocámos também uma linha de investimento para comprar computadores, tablets, plataformas digitais, tudo isso, para poder ter realmente mais qualidade nesta questão do ensino online. Mesmo que depois passemos a não ter o ensino online por causa da Covid, penso que a actualização das tecnologias digitais é uma coisa que veio para ficar e que será sempre importante. Na altura em que José Sócrates era primeiro-ministro houve aquele grande impulso de digitalizar as escolas, com computadores para as crianças, muito investimento na área das novas tecnologias e que, infelizmente, depois, voltou para trás. Independentemente doutras considerações, era um programa importante porque nos punha a trabalhar para o futuro. Depois tivemos a Troika e tivemos todas essas coisas a voltar para trás. Agora estamos, até por força da pandemia, a ter que acelerar nesse sentido e também o faremos na rede EPE.


Rede Consular na Alemanha e Agendamento Online

PTP Entende que a rede consular portuguesa na Alemanha é suficiente para dar resposta à população aqui residente? E não podendo ignorar uma notícia desta semana, parece-lhe razoável que um posto consular possa encerrar por ter todos os funcionários de baixa? Não há planos de contingência para garantir um funcionamento continuado das estruturas?


BN Nós avaliamos os problemas com os cônsules-gerais, com o responsável da secção consular em Berlim e com o Sr. Embaixador. Um problema tem a ver com o facto de termos passado ao agendamento online e de algumas pessoas terem dificuldades em agendar.


PTP É algo sobre o qual também gostaria de ouvir a sua opinião!


BN Temos de organizar um serviço de front-office, ou seja, as pessoas queixam-se que tentam telefonar, às vezes, e que ninguém atende, ou que mandam um e-mail e demoram a responder… Nós queremos resolver essa questão e vamos resolvê-la de uma forma transitória com a reorganização dos consulados, pondo eventualmente um call-centre no consulado que ainda não o tem, de forma a ajudar as pessoas a terem sempre atendimento telefónico, que possa dar informações e apoiar no agendamento.


Agora, o agendamento, em si, é bom. Significa que a pessoa pega uma hora e não tem de ir para lá de manhã, estar numa fila, esperar não sei quantas horas. E apesar de uma transição que agora pode ter algumas dificuldades, como todas as mudanças, temos de trabalhar para a tornar mais fácil e ajudar as pessoas a fazê-la, porque, no fim, as pessoas serão beneficiadas. E agora isso é mesmo obrigatório, porque não podemos ter pessoas juntas à espera de serem atendidas numa mesma sala de espera.


Sobre a questão do escritório consular temos a informação que não irá fechar, Estugarda irá colocar lá alguém do consulado. Aliás, o que nós verificamos é que na análise da rede consular, reforçámos este ano em termos de pessoal nos consulados e nas embaixadas: foram aprovadas 99 vagas, desde técnicos superiores, assistentes técnicos e assistentes operacionais. E na Alemanha todos os consulados, Estugarda em particular, vão ter um reforço de pessoal. Por isso, também vai ter condições, embora daquilo que vimos na reunião com a Sra. Cônsul, este consulado já foi bastante reforçado, já teve bastante investimento e funciona bastante bem. Esta questão do escritório consular certamente, e já me foi garantido, será resolvida e não irá encerrar. De resto, claro que temos de continuar atentos porque há pessoas que se reformam, temos de reforçar recursos humanos, temos de investir na área da tecnologia – porque o novo modelo de gestão consular obriga. Temos vindo a investir nestes anos todos, temos investido em obras para melhoria das instalações, por exemplo em 2018/2019 fizemos investimentos entre 4-5 milhões de euros por ano em vários consulados e embaixadas. Gastámos cerca de 1 milhão de euros a comprar quiosques, computadores, a investir para modernizar os consulados e embaixadas, porque este novo modelo de gestão consular vai obrigar a termos uma rede informática muito mais robusta e a dar muito mais formação aos funcionários.


Eleições para o Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP)

PTP Poderá avançar algo sobre as eleições para o CCP, que continuam por ocorrer, vencido tanto tempo… Não se esta a esgotar o propósito da representatividade, que deveria ser rejuvenescida ou revalidada com a periodicidade definida na própria legislação?


BN Nós tínhamos intenção de ter já feito essas eleições. Entretanto, surgiu a Covid e com a pandemia haveria sempre mais dificuldades no voto: é um voto presencial, as pessoas têm de se deslocar e certamente isso iria criar dificuldades acrescidas.

Estivemos sempre em articulação com o Conselho Permanente das Comunidades Portuguesas e já está definido que as eleições serão na segunda ou terceira semana de Setembro de 2021. Esperemos que não tenha de ser adiado. Porque é que ficou para Setembro? Porque durante seis meses vamos ter a presidência europeia, então todos os nossos serviços vão estar muito focados nessa tarefa e, assim sendo, achámos que era mais prudente fazermos logo depois.


Dificuldades económico-financeiras em resultado da Covid-19

PTP A pandemia marcou este ano de 2020. A crise económica derivada dos efeitos da pandemia impacta a existência de concidadãos nossos. Tem indicação que haja um crescimento de regressos à conta de dificuldades económicas? Há alguma acção pensada para os portugueses no estrangeiro mais afectados pelas consequências económicas da Covid?


BN Nós temos estado em contacto com os nossos consulados e embaixadas e temos pedido que estejam atentas de várias formas. Numa primeira fase, pedimos que verificassem as situações e as medidas que, país a país, existiam para apoio às nossas comunidades. Falando da Europa, estamos a falar de cidadãos europeus que se estiverem no país com contrato de trabalho, ou mesmo no desemprego, são elegíveis para apoios. Se estiverem num país como a Venezuela, a África do Sul ou outros, o que os nossos consulados nos disseram é que havia muitas situações de dificuldade, até de fome. Verificámos, então, que as medidas de apoio nalguns países não seriam de forma nenhuma suficientes e criámos um mecanismo extraordinário de apoio às pessoas em dificuldades. Esse mecanismo até ao momento já abrangeu 70 pessoas, está em funcionamento e através dele apoiamos rendas, compra de medicamentos, alimentação. É evidente que na Europa temos poucos casos, mas temos muitos casos na África do Sul que estão a ter apoio. Na Venezuela temos outros mecanismos de apoio.


PTP Esse programa é operacionalizado através dos consulados?


BN É através dos consulados, nós demos a indicação que falassem com as comunidades e com as associações que conhecem melhor as comunidades. Este programa foi criado e é financiado pelo FRI.


PTP Tem um tecto orçamental?


BN Tem uma dotação de € 300.000, que ainda não está esgotada. Já alocámos mais de € 60.000 a várias dezenas de portugueses, principalmente nos países onde não há um apoio social tão estruturado como há no Canadá, na Europa ou até nos EUA, que têm muitas medidas de apoio, ou na Austrália, por exemplo: no princípio fomos chamados à atenção que há muitos estudantes que vão trabalhar para a Austrália e que estavam com receio de não poder continuar lá. Fomos acompanhando essa situação e ficou resolvida por medidas tomadas pelo governo local.


Acompanhamos e continuamos a apoiar sempre o cidadão que fique numa situação má e que não tenha recursos para viver nesse país. Pode sempre ir ao consulado, pode ter um apoio, protecção consular conforme regulamento consular determina. Temos duas figuras de protecção consular que são socorros e repatriamento. Qualquer consulado, perante uma situação em que as pessoas queiram voltar para o país e não tenham forma de pagar as viagens – o que é avaliado –, podem, por exemplo, ficar alojadas alguns dias, se não puderem vir imediatamente, podem ser apoiados com essa figura dos socorros e, depois, o repatriamento. Também se pedir um apoio aqui em Portugal, será recebido em Portugal pela Segurança Social. Por exemplo, uma pessoa idosa


Verificámos que as medidas de apoio nalguns países não seriam de forma nenhuma suficientes e criámos um mecanismo extraordinário de apoio às pessoas em dificuldades.

e doente que precise de ajuda para ser direccionada para o Sistema Nacional de Saúde (SNS) ou até para encontrar um lugar no lar: nós temos feito esse trabalho de apoio com com as misericórdias e com o SNS. Também fornecemos esse apoio quando a pessoa regressa, não tem aqui família e tem necessidade de ajuda. Tudo isso é feito, existe, nem sequer é nada que foi criado de novo, verificamos mas é que triplicou o número de pedidos e, por isso, também o dinheiro gasto com esses pedidos, que já soma € 100.000. Mas esse dinheiro vai sendo reposto à medida que o consulado vai pedindo, nem sequer tem uma verba com um tecto.


Em suma, temos esse apoio extraordinário – Medida Social de Apoio Extraordinário aos Portugueses afectados pela Covid –, especificamente para pessoas que ficaram em situações vulnerações na sequência desta pandemia, e temos os apoios já previstos anteriormente pelo regulamento consular.


Movimento Associativo

PTP Que apreciação faz dos movimentos associativos na diáspora? Crê estar a atravessar-me um momento de mudança? Antevê que o associativismo tradicional coabitará bem com novas iniciativas associativas? Preocupa-a a sustentabilidade financeira das associações portuguesas no estrangeiro?



BN O que nós verificamos é que o movimento associativo é diferente de país para país. Mas há duas tendências: por um lado, a tendência das associações mais antigas muitas vezes ficarem com dificuldades porque não se conseguem renovar. Há algumas que se conseguem renovar, colocar lá pessoas mais jovens, que continuem o trabalho: essas são aquelas que são mais bem-sucedidas. Mas também temos associações que vão definhando, vão sendo abandonadas…


No Brasil, onde já estive, por exemplo, tive oportunidade de reunir com dirigentes associativos e diagnosticar um problema que não é exclusivo do Brasil: foi-nos dito que havia património valioso que estava a ser vendido, por vezes até de formas poucas claras e transparentes, património esse que era da comunidade portuguesa, de associações de beneficência, associações que noutrora tiveram muito dinheiro e tinham um património importante, mas que acabaram por ficar cheias de dividas e se puseram a vender património. Tivemos uma reunião, e vamos continuar a trabalhar com eles, no sentido de tentar fazer uma reorganização do movimento associativo, talvez até fazer fusões, que o torne sustentável e sem deixar que as associações definhem e acabem por perder o património. Isto é um aspecto, que não acontece na Europa, porque estamos a falar de uma emigração muito antiga, que tem uma história muito antiga e que já foi uma comunidade com muito dinheiro e com muita dinâmica e que, por isso, criou os reais gabinetes de leitura. No Rio de Janeiro o assunto já não é problemático porque, a tempo, se conseguiu fazer uma associação – Associação Luís de Camões –, em que o Estado também entra, e que juntou o real gabinete de leitura, que está entre as dez bibliotecas mais bonitas do mundo, uma IPSS – um lar de idosos para portugueses – e o chamado liceu literário, que era uma instituição de ensino. Juntaram-se todos na Associação Luís de Camões e isso foi uma forma de não deixar todo esse património poder ter problemas no futuro, ou seja, o Estado passou ali a ser o garante.

Este é um modelo possível e está agora a vigorar no Rio de Janeiro, mas outra possibilidade é realmente haver fusões. Temos, por exemplo, a casa do Minho, a casa de Viseu, várias casas. Se calhar têm de começar a fundir-se, porque nisso as associações são como as empresas: embora seja trabalho voluntário, têm que ser sustentáveis, têm que ser dinâmicas e têm que se antecipar ao que vai acontecer e evitar aquilo que nós não queremos que aconteça, que é o seu desaparecimento. Por isso temos todos de pensar, país a país, qual é a situação do movimento associativo e o que é que podemos fazer e, também, o que é que as pessoas estão disponíveis para fazer: nós não podemos fazer nada se as pessoas não quiserem, se ninguém quiser trabalhar para se fundirem as casas no Brasil, então não podemos fazer nada.


PTP Mas qual deverá ser o papel do governo nesses processos de fusão? Facilitador? Moderador? Arbitrar desavenças entre associações? Como antecipa esse papel?


BN Ser um facilitador. Por exemplo, no caso da Associação Luís de Camões não foi só facilitador, como entrou para a gestão. Não investiu muito, a não ser mais simbolicamente e no âmbito diplomático. Está a fazer a gestão e o próprio Instituto Camões está também a acompanhar. Foi uma situação, não necessariamente replicável, com um objectivo, em que as pessoas que estavam à frente dessas associações e real gabinete de leitura tinham uma certa idade, eram todos irmãos e quiserem salvaguardar todo esse património.


Temos de trabalhar com o movimento associativo, percebermos com eles quais são os problemas, quais são os desafios, como é que podemos ajudar para o futuro. As questões não se resolvem só com dinheiro, não é só por colocar dinheiro em cima de um problema que ele fica resolvido. Às vezes é preciso algum dinheiro, mas antes de pôr dinheiro temos de ver as soluções possíveis. Imagine que você tem uma empresa que está com dificuldades financeiras e, então, nós pomos lá dinheiro. Ela não se reestruturou, não fez nada – não reorganizou a sua gestão, não se renovou, não olhou para os novos mercados. Você pôs lá dinheiro, mas não resolveu o problema.


Nós temos de apoiar o movimento associativo e temos um instrumento que existe, que é o concurso anual com mais de meio milhão de euros. Estamos agora a trabalhar na alteração da legislação, para simplificar, para evitar que muitas associações sejam excluídas por questões administrativas, como tem acontecido às vezes, porque faltam documentos, porque falta uma assinatura. Ouvindo todas as sugestões, estamos a tentar melhorar essa legislação, mas esse é um instrumento que existe, que é importante e que eu acho que quem sido um pouquinho desvalorizado. Obriga as associações a terem um plano de actividades, um relatório de contas: o Estado não deve apoiar associações que não sejam transparentes. Além disso, deixou de ser o secretário de estado a dar um apoio aqui e acolá, passou a haver um concurso com regras e obrigou-se as associações a fazerem um esforço, mas um esforço que é positivo, que é prestar contas aos associados e, de facto, tentar organizar-se por forma a não fazerem as coisas de uma forma informal. Nós também apoiamos outras associações, por exemplo, o Instituto Camões tem apoios


Temos de trabalhar com o movimento associativo, percebermos quais são os problemas, quais são os desafios, como é que podemos ajudar para o futuro. As questões não se resolvem só com dinheiro, não é só por colocar dinheiro em cima de um problema que ele fica resolvido.

para associações que têm ensino de português. Ainda que possam pedir apoios neste instrumento, há várias associações que são escolas associadas do Camões. Por exemplo o Instituto Lusófono de Pontault Combault é uma associação importante, tem o que eles chamam permanências sociais e tem protocolo até feito com Pontault Combault do apoio social aos portugueses ali a volta, mas tem uma escola de português que é apoiada pelo Camões.


Nesta crise toda a gente sofreu, nós no Ministério dos Negócios Estrangeiros também, tivemos uma diminuição muito grande das receitas do FRI, porque durante 3 meses não fizemos praticamente actos consulares. Nós tínhamos também de definir prioridades, o dinheiro é sempre um bem escasso, ou seja, nós nunca temos recursos para responder a todos os problemas, temos de definir prioridades. E é evidente que o movimento associativo é importante, mas se me disser assim: o que é que é mais importante, apoiar um português, todo o esforço de repatriamento em que gastámos mais de um milhão de euros a organizar voos, a apoiar pessoas a vir… era mais importante fazer isso naquela altura ou era mais importante pensar nas associações? Era mais importante ajudar os portugueses a voltar! Depois, agora, criámos este apoio extraordinário a pessoas em situações de carência grave – ok, isto é uma coisa que é importante, porque há pessoas que não têm o que comer, onde dormir... no Peru tivemos casos de pessoas sem abrigo, na rua... isto é uma prioridade! Nós temos mais de 2.000 associações. Não podíamos, não tínhamos, na minha opinião, capacidade para apoiarmos.... Imagine que apoiávamos 1.000 associações, 1.000 estão em dificuldades – apoiávamos com o quê, como? É complicado. Eu sei que o movimento associativo está a passar dificuldades, mas parece-me que nós temos que olhar para o movimento associativo e trabalhar com o movimento associativo, mas não vejo sinceramente que, neste contexto, com tantas prioridades, tenhamos a possibilidade de criar um instrumento que seja eficaz e que se justifique quando há tantas outras prioridades por resolver.


Comunidade portuguesa na Alemanha e objectivos para o mandato

PTP Tem alguma palavra particular que queira dirigir à comunidade portuguesa na Alemanha?


BN A minha mensagem é uma mensagem de esperança, eu sei que todos temos situações difíceis. Estamos a acompanhar com atenção todas as situações que possam ser problemáticas e a tentar encontrar sempre soluções, a trabalhar com os consulados, embaixadas, conselheiros. A Alemanha é um país importante para nós e a nossa comunidade na Alemanha é importante para nós. A Alemanha, na verdade, tem gerido esta crise bem, e faço votos para que saia brevemente desta crise. E desejo que a nossa comunidade saia com o mínimo dano possível, o melhor possível, desta dificuldade que todos enfrentamos. É uma mensagem de esperança e de que tudo corra bem. Quando nós conseguirmos sair desta situação, esperemos que seja brevemente, especialmente agora com a vacina, espero que nos possamos encontrar logo que seja possível, quero visitar a nossa comunidade na Alemanha para que tenhamos oportunidade de nos conhecermos melhor e de me conhecerem melhor.


PTP Que objectivos gostaria ainda de alcançar até final do seu mandato? Depois dum ano em que o PNAID foi estrela, tem outras estrelas que gostaria de ver brilhar?


BN O PNAID foi estrela, trabalhar com movimento associativo é um tema muito importante, trabalharmos em conjunto. Quero também continuar a investir e a trabalhar para melhorar a oferta de ensino de português no estrangeiro, porque isso é uma forma muito importante de continuar a ligar Portugal as nossas comunidades, a língua é das coisas que tem realmente maior poder de ligação. E quero, na verdade, melhorar, muito, se possível, o funcionamento dos nossos consulados e embaixadas, e implementar um novo modelo de gestão consular, porque isso também é uma das primeiras necessidades das nossas comunidades, é terem atendimento célere e cordial, sentirem-se bem atendidos. Por outro lado, também estamos a implementar medidas novas como por exemplo, medidas ligadas à cultura, valorizando os talentos da comunidade: tivemos agora o prémio Ferreira de Castro, também temos um outro protocolo que vai permitir começar a editar autores portugueses que vivem na diáspora. Depois, vamos trabalhar também a memória da emigração com a rede dos espaços museológicos, vamos dar importância ao pacote cultural ligado às comunidades para as valorizar. Há muito para fazer, estas são algumas das prioridades

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